Carnaval e geada na rota dos sete transportes de Suábios ao Brasil

‘Em 22 de maio, os 221 Suábios do Danúbio a bordo do navio Provence davam adeus à Europa. Foram cerca de quinze dias em alto mar, com paradas para sarar os enjoos da viagem (e outros pormenores) em Dacar, capital do Senegal, e no Rio de Janeiro, antes da

A Quarta-Feira de Cinzas de 1952 anunciava o início do tradicional período cristão de reflexões e mudanças. Para as famílias suábias do sétimo e derradeiro transporte do chamado projeto Brasil, atracar na capital Rio de Janeiro representava uma transformação e tanto, naquele 27 de fevereiro. Mesmo que todo Carnaval tenha seu fim, como diz a música, houve tempo para que os 412 Suábios do Danúbio recém-chegados fizessem um breve city tour pela Cidade Maravilhosa, no dia seguinte. Mas antes que pudessem se empolgar com o samba e a caipirinha (o drink, no caso), o navio Provence zarpou para a última parada no Porto de Santos, local em que os 2.446 integrantes dos sete transportes do projeto imigratório pisaram definitivamente o solo tupiniquim.

Aliás, a relação dos Suábios do Danúbio com o Carnaval sempre existiu, ainda que seguisse as próprias tradições. Nada que impedisse a participação do Grupo Folclórico de Danças, em 1995, do desfile da Unidos da Ponte (nome sugestivo para quem vive entre rios), em plena Marquês de Sapucaí e com transmissão ao vivo para todo o país – vale a busca no YouTube e uma futura coluna dedicada ao assunto.

E já que falamos de samba e caipirinha, cabe acrescentar o futebol como ferramenta de contextualização histórica. Enquanto a Seleção Brasileira perdia a Copa do Mundo para o Uruguai, em meados 1950, o engenheiro agrônomo Michael Moor e a Ajuda Suíça para a Europa ainda temiam pelo insucesso do projeto que levaria 500 famílias de Suábios do Danúbio ao Brasil. O encerramento dos mandatos do governador de Goiás (primeira localidade cogitada) e do presidente Eurico Gaspar Dutra exigiram habilidade política e agilidade, a fim de evitar um Maracanaço humanitário (vide a última coluna, CLICANDO AQUI).

As articulações surtiram efeito e estimularam uma corrida contra o tempo. Enquanto Moor retornava ao Brasil, em fevereiro de 1951, decidido a definir o local exato de abrigo aos refugiados da Segunda Guerra Mundial, a Ajuda Suíça abria um escritório na cidade de Linz, na Áustria, no qual os interessados em migrar ao Brasil poderiam se inscrever. Por fim, deu tudo certo, e o primeiro transporte deixou Linz no dia 19 de maio de 1951, para a viagem de aproximadamente 800 quilômetros de trem até o porto de Gênova, na Itália.

Em 22 de maio, os 221 Suábios do Danúbio a bordo do navio Provence davam adeus à Europa. Foram cerca de quinze dias em alto mar, com paradas para sarar os enjoos da viagem (e outros pormenores) em Dacar, capital do Senegal, e no Rio de Janeiro, antes da chegada ao porto santista. O menor dos trajetos, porém, entre Santos e Góes Artigas, tornou-se também o mais demorado. Os europeus, acostumados ao transporte ferroviário, conheceram o charme e a tranquilidade da Maria Fumaça.

Aliás, tratava-se de calmaria para dar e vender: os cerca de 700 quilômetros foram transpostos em pouco menos de três dias. Uma média aproximada de 10 km/h. Não à toa, conta-se que os viajantes mais entediados desciam do trem e corriam atrás dele como forma de divertimento. O relevo íngreme nas serras, as chuvas frequentes, animais sobre os trilhos, reabastecimentos constantes, tudo contribuiu para que Barrichello olhasse para a cena e dissesse: Hoje, sim! Hoje, sim! Desses alemães eu ganharia. Mal sabia ele…

Além do passeio ferroviário, surpreendeu a maioria dos suábios o intenso frio guarapuavano. Afinal, os viajantes deixavam os gélidos Alpes austríacos para recomeçarem suas vidas no país tropical, abençoado por Deus, eles pensavam. Ainda não existia hashtag, mas só que não deve ter sido uma das primeiras expressões idiomáticas aprendidas em português. Sim, geava no dia 8 de junho de 1951, na chegada a Góes Artigas, ao passo que quase ninguém havia trazido cobertores mais pesados, justamente por serem muito pesados – e porque o Brasil deveria ser quente, só que nein.

O mesmo apuro passaram os 514 suábios do terceiro transporte, que desembarcaram no dia 8 de outubro do mesmo ano. Exato, geada em plena primavera, segundo relatos trêmulos. Já o segundo transporte, que trouxe 87 suábios, o quarto (500 viajantes), o quinto (473), o sexto (239) e o já mencionado sétimo transporte não passaram por tanto frio ao fim das três semanas de viagem. Cinco deles foram patrocinados pelo mesmo navio Provence, embarcação de nome francês, partindo sempre da italiana Gênova. Já o segundo zarpou de Le Havre, na França, e também tinha denominação francesa: Lavoisier. Por fim, a sexta embarcação tinha alcunha italiana (Conte Biancamano) e saiu do porto genovês. Como diria o poeta alemão Tadeu Schmidt: sabe o que isso significa? Nada – só foi exposto a título de informação mesmo.

Fato é que, assim como geada e Carnaval não combinam, ninguém havia avisado aos novos habitantes que Brasil e Guarapuava eram países distintos: num faz calor, no outro, o frio bebe chimarrão com Stroh Rum para se esquentar. Ainda assim, em ambos, tem Carnaval.

*********Klaus Pettinger é jornalista, escritor e o autor do romance ‘O Sumiço do Hanomag’. Neste espaço, ele conta semanalmente curiosidades e fatos históricos sobre a colônia suábia de Entre Rios. Para contato com o colunista: [email protected]; Facebook: klauspettinger