Polca Sertaneja

‘Apesar de ter se realizado apenas na imaginação, este mix nada ortodoxo poderia ter virado um hit teuto-sertanejo atual. Bastaria que, no início da década de 1950, a delegação que definiu o futuro dos Suábios do Danúbio no Brasil tivesse escolhido a cida

A cena surreal se desenrola durante um evento musical goiano. A banda folclórica alemã sobe ao palco e começa o show interagindo com o público, no melhor estilo Freddie Mercury. O vocalista introduz o típico ía-ía-ía-ô e os fãs, em uníssono, respondem: ía-ía-ía-ô. Em seguida, novo coro, dessa vez para tchê tcherere tchê-tchê, e o povo completa com Michael Moor e você. Apesar de ter se realizado apenas na imaginação, este mix nada ortodoxo poderia ter virado um hit teuto-sertanejo atual. Bastaria que, no início da década de 1950, a delegação que definiu o futuro dos Suábios do Danúbio no Brasil tivesse escolhido a cidade de Itaberai?, em Goiás, em vez de decidir pelo distrito guarapuavano de Entre Rios.

Localizada na Serra do Gongomê, a 100 quilômetros de Goiânia, inicialmente Itaberaí parecia ser o local ideal, tanto do ponto de vista agrícola quanto do político para o projeto liderado pelo engenheiro agrônomo suábio Michael Moor. Então com 45 anos de idade, ele tinha não só a experiência cooperativista vivenciada na antiga Iugoslávia, como também a força de vontade necessária para prover um destino digno a centenas de famílias refugiadas da Segunda Guerra Mundial.

Na véspera do Natal de 1949, ele desembarcou no Rio de Janeiro ao lado do padre suábio Josef Stefan, que já havia trabalhado pela realocação de 5.000 refugiados na França, anos antes. Com a determinação de quem não espera nem a virada de ano, a comissão iniciou no dia 31 de dezembro de 1949 a viagem exploratória pelo Centro-Oeste brasileiro.

A bordo de uma velha aeronave Bellanca e de um jipe sem estepe (segundo relatos posteriores dos participantes), cedido pela polícia local, embrenharam-se por terras goianas, com apoio do engenheiro teuto-brasileiro Wolf Jesco von Puttkamer, secretário do então governador de Goiás, Jero?nymo Coimbra Bueno – que, por sua vez, via com bons olhos a chegada de agricultores para o desenvolvimento da região.

Após centenas de quilômetros observados, concluíram que a região de Itaberaí consistia, até então, na melhor opção como destino dos suábios. Moor retornou à Europa seguro de sua decisão e a comunicou, em maio de 1950, à Ajuda Suíça para a Europa (Schweizer Europahilfe), organização humanitária desenvolvida para o apoio à crise de refugiados no pós-Guerra. Diante do bem estruturado plano apresentado por Moor e sua equipe, os suíços concordaram em conduzir também o projeto brasileiro.

Quando tudo parecia definido, a situação política se inverteu. Após o fim do mandato de Coimbra Bueno, o recém-empossado governador Pedro Ludovico Teixeira não exprimia o mesmo entusiasmo em aceitar imigrantes de origem alemã em seu Estado. Coube à Ajuda Suíça e à comissão imigratória recorrer ao então presidente brasileiro Eurico Gaspar Dutra para que aprovasse o projeto, ainda antes da transição para o governo de Getúlio Vargas, a fim de evitar contratempos. Com influência externa, incluindo a da Caritas Internationalis, Dutra deu seu aval, dias antes de deixar o cargo, em janeiro de 1951. Moor regressou ao Brasil no começo de fevereiro do mesmo ano, com o objetivo claro de bater o martelo sobre o local, no qual as famílias suábias poderiam reconstruir suas vidas.

Ao chegar ao Rio de Janeiro, porém, teve um encontro capaz de mudar o destino de todos os envolvidos: Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, então Secretário de Agricultura do Paraná durante o governo de Bento Munhoz da Rocha Neto, soube do projeto e se reuniu com a comissão na Cidade Maravilhosa. Convenceu Moor a visitar a região central paranaense, mais especificamente as localidades das atuais cidades de Clevelândia e Goioxim, até que a vastidão dos campos guarapuavanos de Entre Rios encantou a todos.

Por fim, os fatores logísticos demonstram-se decisivos para que a polca não fosse misturada ao sertanejo universitário, além dos aspectos políticos, geográficos, agronômicos e musicais. Isso porque a região de Entre Rios usufruía de ligação ferroviária entre o porto de Santos e Góes Artigas, o que facilitou substancialmente o translado das 500 famílias de Suábios do Danúbio a Entre Rios, ainda que só as viagens de trem tenham demorado quase três longos dias.

Em suma, se fosse da atual geração, um Michel Moor orgulhoso e satisfeito, provavelmente, teria enviado o seguinte zap: Ei, Goiânia, avisa aqueles olhos lindos que eu já cheguei – em Guarapuava, no caso. Seguido de um emoji de notas musicais, outro de jipe e um terceiro de gratidão.

 

*********Klaus Pettinger é jornalista, escritor e o autor do romance ‘O Sumiço do Hanomag’. Neste espaço, ele conta semanalmente curiosidades e fatos históricos sobre a colônia suábia de Entre Rios. Para contato com o colunista: [email protected]; Facebook: klauspettinger