Resenha sobre documentário ‘Get Back’: dias de janeiro em 69

No ar no serviço de streaming Disney+, o documentário “The Beatles: Get Back” é o registro de um momento mágico: quando John, Paul, George e Ringo se reuniram, em janeiro de 1969, para compor e gravar novas canções. Apesar da tensão e de rusgas, ainda havia criatividade e cumplicidade no famoso quarteto de Liverpool

Finalmente, o Disney+ mostrou a que veio. O documentário “The Beatles: Get Back” (2021) é o principal lançamento em toda a história desse serviço de streaming. Esqueçam aquelas séries meia-boca da Marvel Studios, os filminhos família ou mesmo o universo Star Wars. Beatles supera tudo isso.

Claro que interessa mais aos fãs do famoso quarteto de Liverpool. Pois tem gente que nunca ouviu falar de Paul, John, George e Ringo. Azar dessa turma neófita. Os Beatles inventaram o pop; deram o sistema nervoso da sociedade. Isso não tem preço.

Por isso, o documentário em três partes (totalizando cerca de oito horas) dirigido por Peter Jackson (o mesmo por trás da franquia O Senhor dos Anéis) é algo para se comemorar. É uma verdadeira experiência sensorial, capaz de levar o público ao nirvana. Ou melhor, a janeiro de 1969. Acho.

Nesse período, os Beatles se reuniram para compor 14 canções de um novo álbum e se preparar para um show ao vivo. Todo esse processo começou nos estúdios de Twickenham, nos arredores de Londres (Inglaterra). Mas desde as primeiras cenas da Parte 1 da série é possível ver que as sessões estavam destinadas ao fracasso. Da acústica do local aos equipamentos, é perceptível o desconforto do quarteto fabuloso.

Mais do que isso, o clima é pesado. Ou eles estão entediados, de ressaca ou de cara amarrada. Ringo é o boa praça, mas está desinteressado e fica à mercê da criação dos outros companheiros de banda; Paul é o que tem mais noção global do processo musical, porém gosta de mandar; John, o rebelde, tende a avacalhar tudo; e George, o introspectivo, está de mau humor, com o semblante fechado.

Em resumo, a banda está por um fio. Prestes a acabar de vez. A gravação do novo álbum (que depois viria a ser “Let it be”, lançado apenas em 1970) se torna momento de lavação de roupa suja. A todo momento, rusgas e faíscas surgem entre os quatro músicos. Até que (olha o spoiler) George avisa sobre sua saída da banda. Mais tensão no ar.

Os Beatles remanescentes precisam decidir o que será feito. Somente na Parte 2 do documentário, ocorre uma mudança de ares e ambiente. John, Paul e Ringo levam todos os equipamentos para o estúdio recém-montado na sede da Apple, em Savile Row (centro de Londres).

A narrativa do documentário segue outro rumo. Apesar da pressão do prazo, o trio vive momento mais relaxado, principalmente com a volta de George. Agora, os quatro são mais produtivos e em sintonia. A velha fagulha da cumplicidade reacende. Ainda mais quando o tecladista Billy Preston aparece para dar um “oi” e acaba ficando para trabalhar no disco. Além de gênio musical, o cara é tremendo alto-astral. Não à toa, é considerado o “quinto Beatle”.

COMPOSIÇÃO
É um verdadeiro deleite acompanhar o surgimento de alguns clássicos da música pop do século 20 ao longo das longas sessões de gravação dos Beatles em 1969. Boa parte dessas canções seriam aproveitadas em dois discos do quarteto (“Let it be” e “Abbey Road”) e na respectiva carreira-solo de alguns deles pós-banda (caso de George Harrison).

Por exemplo, Paul McCartney, sob pressão, tenta novas ideias e apresenta “Get Back” para George e Ringo. Ambos estão cansados, à espera do sempre atrasado John Lennon, e apenas bocejam ouvindo a canção em estado bruto.

Nessa fase, os quatro compunham separadamente e apenas traziam o material para ser trabalhado pelo restante da banda. Mas é inegável que eles ainda tinham magia. “Get Back” ganha sua forma quando George, John e Ringo começam a trabalhar em cima dela, sugerindo notas, andamentos etc.

Sessões de gravação continuaram em estúdio montado na sede da Apple (Foto: Reprodução)

SHOW
Na Parte 3, vem a apoteótico último show do quarteto de Liverpool. O especial de TV havia sido descartado, mas eles optaram por fazer uma apresentação no terraço do edifício da Apple. Isso mesmo. É aquela lendária apresentação interrompida pelos guardas britânicos.

O diferencial é que o filme de Peter Jackson apresenta a íntegra do especial. Novamente, a magia está no ar entre os quatro músicos. É engraçado ver o comportamento da polícia, que é ludibriada para que o show dure mais tempo.

Mesmo assim, o som é interrompido antes de chegar até o fim. Em 1969, muitos londrinos que passavam embaixo do prédio tiveram o privilégio de ouvir a despedida pública do quarteto. Sem saber disso.

“E no fim/o amor que você recebe/é igual/ao amor que você dá”. The End.

ENTENDA
O documentário “Get Back” é o resultado de um acervo com quase 60 horas de filmagens feitas por Michael Lindsay-Hogg em janeiro de 1969, quando ele acompanhou as sessões de gravação dos Beatles. Mas o grosso desse material permaneceu intocado durante 50 anos.

Até que Peter Jackson teve acesso a todo esse material, além de 150 horas de áudio. O diretor restaurou os arquivos e conseguiu separar o essencial nas conversas entre os quatro Beatles.

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