Se o cineasta Tim Burton falhou em 2001 ao fazer um controverso remake do clássico ‘O Planeta dos Macacos’ (1968), os mais recentes ‘Planeta dos Macacos: A origem’ (2011) e ‘Planeta dos Macacos: O confronto’ (2014) reavivaram o interesse das novas gerações pela fábula de um futuro dominado por macacos altamente inteligentes. Ao símio Caesar o que é de Caesar.
É o que atesta o maior especialista brasileiro no tema, o jornalista e escritor Saulo Adami. Cada vez que acesso uma das mídias sociais e encontro as novas gerações falando sobre ‘Planeta dos Macacos’, é como se estivesse recebendo a visita de alguém que veio ocupar o vazio deixado pela perda de um amigo e colaborador que um dia tive ao meu lado.
Com 40 anos de pesquisa sobre o assunto, Adami publicou neste ano o livro ‘Homem não entende nada! Arquivos secretos do Planeta dos Macacos’ (Ed. Estronho), um tijolo de mais de 600 páginas reunindo material exclusivo e completo sobre essa paixão cultivada desde a infância do autor.
Fotografia autografada pela atriz Kim Hunter (Acervo Saulo Adami)
No próximo dia 3, Adami desembarca em Guarapuava como convidado principal do 6º FCírculo – A Ficção Científica em debate. Ele vem para falar e expor seu acervo pessoal sobre ‘Planeta dos Macacos’. Inclusive, o professor doutor Carlos Alberto Machado, do Departamento de Pedagogia da Unicentro, é um dos responsáveis (indiretos) pela publicação de ‘Homem não Entende Nada!’, conforme passagem citada por Adami no livro. Quem me indicou o editor Marcelo Amado, da editora Estronho foi o professor Carlos Alberto Machado, durante nossa participação na Gibicon 2014, em Curitiba, diz Adami.
Mas antes de sua viagem para o terceiro planalto, ele conversou com o CORREIO. A seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva.
Os filmes produzidos mais recentemente alcançaram sucesso e elogio da crítica (ao contrário do controverso longa-metragem de Tim Burton). De que maneira isso é importante para uma série?
Até hoje não conheci mais de um fã que tenha gostado do filme do Burton, o roteiro é fraco e confuso, o astronauta humano não tem a menor importância na trama. O mérito de Planeta dos Macacos (2001) foi estimular a produção de itens relacionados à cinessérie, colaborei com outros autores de livros sobre bastidores publicados no Brasil, Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e Escócia. O sucesso de bilheteria fez lançar as séries clássicas de cinema e TV em DVD e Blu-ray, novas histórias em quadrinhos trouxeram de volta personagens e ambientações da cinessérie. Um segundo ciclo foi fechado. Quanto a nova série de filmes-sequência (Planeta dos Macacos: A Origem, 2011; Planeta dos Macacos: O Confronto, 2014 – e o futuro Planeta dos Macacos: A Guerra, que estreia em 14 de julho de 2017), gosto dela porque não é, na realidade, nem uma sequência dos filmes clássicos, nem sua releitura deste universo. Planeta dos Macacos: A Origem não era para ser um filme no estilo do original de 1968. O que o casal de roteiristas Rick Jaffa e Amanda Silver queria era escrever um filme sobre experiências genéticas com macacos, era mais ficção científica do que aventura. Foi quando se deram conta de que haviam criando um novo Planeta dos Macacos. Ao dar nomes aos personagens do roteiro, homenagearam heróis e atores dos filmes antigos: o líder dos chimpanzés é Caesar (Conquista do Planeta dos Macacos, 1972), o dono do laboratório é Jacobs, o orangotango se chama Maurice (o ator Maurice Evans era o Dr. Zaius do cinema), um dos gorilas se chama Buck (o ator Buck Kartalian viveu dois gorilas no cinema), e assim por diante. E o melhor de tudo aconteceu: o filme custou US$ 90 milhões e rendeu US$ 500 milhões!
Fotografioa autografada por Booth Colman (Acervo Saulo Adami)
Me deu a impressão de que você é mais favorável aos macacos em seu livro (inclusive no título e na escolha da capa). É verdade? Por quê?
Os símios são os grandes personagens, tanto no livro de Boulle quanto nos filmes, seriados de TV, histórias em quadrinhos e em todos os demais formatos que a ideia original foi transformada. O que mostra que o macaco tá certo, como dizia o Sócrates (Orival Pessini), no humorístico brasileiro O Planeta dos Homens, das décadas de 1970 e 1980. Embora Charlton Heston seja um dos meus favoritos, seu astronauta Taylor, herói de O Planeta dos Macacos (1968) e De Volta ao Planeta dos Macacos (1970), não tem o carisma e a força dramática dos chimpanzés Cornelius (Roddy McDowall) e Zira (Kim Hunter), do orangotango Zaius (Maurice Evans) ou do gorila general Ursus (James Gregory). Além do mais, não torço pela vitória ou sucesso de arrogantes! (risos) Quanto a escolha da capa, O único humano bom é aquele que está morto! (1996) tinha o general Ursus estampado; Diários de Hollywood: Um brasileiro no Planeta dos Macacos (2008), meus diários de viagem aos Estados Unidos, tinha minha face de chimpanzé, Cornelius; Homem não entende nada! (2015) tinha o orangotango Zaius projetado para estampar a cada desde a primeira linha que escrevi para esta obra. Com isso, fecha-se outro ciclo, também. Quando tivermos oportunidade de uma nova edição, revista e ampliada, para Homem não entende nada!, deveremos ter estampado na capa o Caesar de Planeta dos Macacos: O Confronto (2014), abrindo assim um terceiro ciclo, tal e qual vem acontecendo com as produções cinematográficas.
Um fato que acho interesse no primeiro ‘O Planeta dos Macacos’ é a discussão proposta sobre o modo como o homem usa o planeta. Qual é a sua leitura desse clássico do cinema?
Estes filmes nada mais o são do que a imagem do ser humano diante do espelho. Pierre Boulle usou como ponto de partida para escrever seu livro uma visita que fez ao Zoológico de Paris. Ele observava a jaula dos gorilas: do lado de fora, os visitantes humanos pareciam dialogar com os primatas. Foi quando ele fez para si mesmo a pergunta que desencadeou a criatividade: E se fosse o contrário? E se os primatas fossem os evoluídos e os humanos os selvagens?. Assim, nasceu o livro de 1963, e o resto é história. Quanto ao roteiro final de Michael Wilson, a história muda um pouco: o filme que ele escreveu trouxe várias críticas à história mundial, principalmente à americana. Wilson politizou os personagens símios e desenvolveu as tensões entre as diferentes espécies de macacos, incluindo babuínos, que foram suprimidos. Na cena que o tribunal acusa Cornelius e Zira de heresia científica por defender a teoria da evolução símia, há referências com o histórico Scopes Monkey Trial de 21 de julho de 1925, quando um professor do ensino médio do Tennessee, John Thomas Scopes, foi acusado de violar a lei estadual que proibia o ensino do evolucionismo em escolas públicas estaduais pelo fato de a teoria de Charles Darwin contrariar a visão bíblica da origem do homem. Scopes foi condenado, mas o veredicto foi revisto e ele liberado, o que fez com que o evolucionismo ganhasse ainda mais força no país. John Thomas foi o primeiro nome cogitado por Rod Serling para ser o astronauta herói do roteiro que escreveu para este filme, em 1964. A cena do tribunal no roteiro de Wilson fez lembrar as audiências do Comitê de Atividades Antiamericanas da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, criado em 1938 para investigar suposta deslealdade e atividades subversivas por parte de cidadãos, funcionários públicos e organizações suspeitas de ligações comunistas. Foi este comitê – que em 1969 passou a se chamar Comitê de Segurança Interna – que investigou suposta infiltração comunista na indústria cinematográfica e levou os dez grandes de Hollywood para a cadeia, no início de 1948. A lista (1948-1950) foi sendo ampliada mais e mais, e dela constavam pessoas ligados a O Planeta dos Macacos (1968), como Michael Wilson e Kim Hunter.
Parte da coleção de Saulo Adami
A cena final dessa obra-prima é insuperável. Curiosamente, conforme informações de seu livro, o autor do livro (Pierre Boulle) não havia gostado. Como você analisa as relações entre linguagens diferentes?
São raros os roteiros de cinema fiéis aos conteúdos de livros. Quando o romancista escreve sua história, ele se preocupa mais com personagens e seus perfis do que propriamente com a ação ou o resultado visual da trama. Ao escrever seu roteiro, o profissional de cinema e televisão cria na sua mente todo o visual do que está produzindo, costumo dizer que ele é o primeiro espectador do filme que está em sua fase inicial de produção. Quem lida com criação literária saberá do que estou falando. O roteirista não pode gastar tantas páginas quanto gasta um romancista para descrever o perfil de seus personagens ou detalhar a ambientação de suas histórias. Cada obra – no formato de livro ou de roteiro – tem suas características e linguagens próprias.
Texto: Cristiano Martinez
Fotos: Acervo Saulo Adami
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