Ética tem gênero?

“É importante analisar que, além das diferenças cromossômicas e hormonais, homens e mulheres também possuem formas de processar informações distintas”

Durante a Revolução Francesa, que defendia o lema “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”, as mulheres lutaram ao lado dos homens e sua participação foi fundamental para a conquista dos objetivos revolucionários. No entanto, após esse importante momento, elas retomaram o lugar que costumavam ocupar na sociedade, consideradas incapazes para assumir responsabilidades cívicas e políticas.

Segundo o Brasil Escola, a espécie humana apresenta indivíduos com sexos separados, ou seja, possui machos e fêmeas. Biologicamente falando, homens e mulheres possuem diferenças bem marcantes, o que caracteriza o “dimorfismo sexual”.

É importante analisar que, além das diferenças cromossômicas e hormonais, homens e mulheres também possuem formas de processar informações distintas. Os cérebros masculinos e femininos não funcionam da mesma forma, apresentando diferenças na maneira de processar informações e emoções.

De acordo com a socióloga estadounidense Carol Gilligan, numa época em que se fazem esforços para banir a discriminação entre os sexos à procura de igualdade e justiça sociais, as diferenças entre os sexos estão sendo redescobertas nas ciências sociais.

A socióloga concluiu que, na sociedade norte-americana da época, as mulheres pensavam a ética de maneira distinta dos homens. Se, por um lado, eles tendem a lidar com questões éticas utilizando uma terminologia quase jurídica, princípios de imparcialidade e um mínimo de emotividade, por outro lado, elas tendem a afirmar uma ética de cuidado, visando atender uma rede interconectada de necessidades, interesses para com o próximo e prevenção de danos.

Tal constatação levou Gilligan a propor uma teoria predominante no pensamento feminino: a chamada “ética do cuidado”. Na prática, a ética do cuidado prima pelo comprometimento, franqueza, atenção e sensibilidade na relação entre as pessoas.

Em seu estudo “Condição feminina e percepção dos valores morais no nível gerencial e técnico das organizações brasileiras”, Hermano Roberto Thiry-Cherques traz importantes posições a respeito do tema. A primeira considera a alteridade — o outro, ou os outros — como idênticos entre si e àquele que emite o julgamento moral. De acordo com essa ordem de pensamento, se fizermos qualquer distinção prévia quanto às mulheres, incorremos na transgressão de elevar umas pessoas e rebaixar outras, de negar a autonomia ao ser humano. Dessa forma, não existiria um “problema feminino”, mas um problema moral da parte de quem considera as mulheres diferentes dos homens em sua capacidade de raciocinar, julgar e agir.

A segunda posição toma o outro como um ser particular. É a orientação aristotélica da equidade (Thiebaut, 1992). É também o pensamento do utilitarismo ético, a corrente predominante nas organizações brasileiras (Thiry-Cherques, 2002). Essa posição é idêntica à anterior no que se refere à imparcialidade no julgamento moral, mas considera que cada ser humano, homem ou mulher, é único: tem necessidades e capacidades específicas. De acordo com essa ótica, se julgarmos a questão moral sem considerar a singularidade das pessoas, incorremos na transgressão da injustiça. Para essa corrente de pensamento, existiria um “problema feminino”, que é tanto o problema de não considerar as particularidades biológica, psicológica e histórica das mulheres, como o de as desprezar ou explorar.

Com base em uma pesquisa mundial realizada pela KMPG entre 2013 e 2015 e que investigou 750 fraudadores de todo o mundo, o autor da fraude tende (79%) a ser do sexo masculino.

Embora com estudos e embasamentos para defender diferentes posicionamentos, é arriscado dizer que um ou outro gênero tendem a ser mais ou menos éticos em função de suas características biológicas. Há que se reconhecer, sim, a influência da moral, do ambiente e da cultura em que tal indivíduo foi e está inserido, bem como o peso de diversas outras variáveis responsáveis por motivar comportamentos antiéticos.

A ética não tem cor, raça ou gênero.

Se é difícil determinar precisamente se a propensão moral à fraude tem componentes de gênero, é mais simples reconhecer que as diferenças entre os sexos podem sugerir tipos diversos de fraudes. Em todo o caso, como é frequente em ciências sociais, é complexo analisar os dados de forma separada: se hoje existem menos mulheres em cargos de administração, é também natural que haja menos casos detectados de corrupção entre as mulheres. Mas isso não implicaria que mulheres pratiquem menos fraudes. Assim, por que não combater o fraudador através equipes mais diversas (não apenas em gênero), visto que pontos de vista múltiplos sempre são mais eficazes para compreender e solucionar problemas complexos?

Legenda

**********Letícia Sugai é sócia das empresas Veritaz Gestão de Riscos e Compliance e Gordion Consultoria. É presidente do Instituto Paranaense de Compliance (IPACOM) e criadora do Movimento “Integridade sempre vale a pena”

************Os textos assinados não representam necessariamente a opinião do jornal Correio do Cidadão e são de inteira responsabilidade de seus autores