A mais nova aliada da economia já era conhecida da corrupção

“No entanto, em meio à pandemia do Covid-19 – que tem enaltecido inúmeros escândalos de corrupção –, a nova nota pode facilitar o transporte e a ocultação de valores de procedência ilegal”

Você consegue imaginar de que forma uma operação financeira poderia ser realizada sem rastreabilidade nos dias de hoje? O “dinheiro vivo” é um dos principais meios utilizados em crimes de lavagem de dinheiro justamente pela dificuldade de confirmar as origens dessas transações.

De acordo com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a lavagem de dinheiro é um crime que se caracteriza por “um conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia de cada país, de modo transitório ou permanente, de recursos, bens e valores de origem ilícita e que se desenvolvem por meio de um processo dinâmico (…)” (Fonte: Brasil Escola).

Há pouco mais de 4 anos o Conselho do Banco Central Europeu (BCE) decidiu que os países da zona do euro deveriam parar de produzir as notas de 500 euros até o início de 2019. Na cotação atual, uma nota desse valor equivale a aproximadamente R$ 3.170,00, ou seja, mais de 3 vezes o salário mínimo nacional.

Apesar de o BCE não ter exposto o motivo para a retirada de circulação das cédulas, parece ter se tratado de uma medida de segurança para evitar a prática de ilícitos, segundo uma matéria do jornal Público, de Portugal.

Na contrapartida, o Brasil aprovou a criação de uma nova nota: a de R$ 200,00. A circulação da cédula passará a ocorrer a partir do fim de agosto, fato sobre o qual não se tinha notícia anteriormente. A explicação do Banco Central para a ideia repentina da nova cédula, após 18 anos da última inovação em papel-moeda, são os efeitos da pandemia. O Bacen alega que a decisão foi tomada para “atender ao aumento da demanda por dinheiro em espécie que se verificou durante a pandemia do Covid-19”.

A Diretora de Administração do Banco Central, Carolina de Assis Barros, afirma que o plano de criar uma nota de R$ 200,00 já existia. Ela declarou que, hoje, a quantidade de papel-moeda em circulação está adequada para as necessidades da população, mas não é possível saber por quanto tempo o tal entesouramento (dinheiro guardado em casa) continuará.

No entanto, em meio à pandemia do Covid-19 – que tem enaltecido inúmeros escândalos de corrupção –, a nova nota pode facilitar o transporte e a ocultação de valores de procedência ilegal. Se lembrarmos dos emblemáticos casos em que quantias em espécie foram encontrados em residências e até em vestimentas pessoais, refrescamos a memória. Tais esconderijos poderiam ser ainda mais discretos em uma nota de maior valor haja vista menor necessidade de volume para transportar a mesma quantia. Uma mala de R$ 500 mil, por exemplo, poderia ser facilmente convertida em uma mochila.

O evento mais recente é o do Secretário de Transportes Metropolitanos do Governo de São Paulo, Alexandre Baldy de Sant’Anna Braga, preso em casa em uma operação que apura desvios na saúde envolvendo órgãos federais. Em um imóvel do secretário, em Brasília, foram apreendidos R$ 90 mil em espécie. Haja entesouramento!

Além disso, já se tem notícias da nova cédula circulando no Rio de Janeiro, furando a largada prevista para o final do mês. O único problema é que a nota de que se tem notícia em Madureira é falsificada. Isso mesmo: o lobo guará ainda nem deu as caras oficialmente por aqui, mas parece estar ansioso para dar um passeio.

Dez entidades, dentre as quais a Transparência Partidária, Instituto Não Aceito Corrupção e o Observatório Social do Brasil, também já assinaram um manifesto solicitando que o Banco Central revise essa ação. O grupo apresentou pesquisas e levantamentos a respeito da nossa relação com o dinheiro em papel, e um desses relatórios evidenciou que 85% dos brasileiros portam menos do que R$ 100,00 em dinheiro vivo.

Se, por um lado, a nota tem uma função econômica importante, por outro, expõe e fragiliza ainda mais o combate a crimes de corrupção, suborno e lavagem de dinheiro. E então, salvemos a economia ou a integridade?

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*********Letícia Sugai é sócia das empresas Veritaz Gestão de Riscos e Compliance e Gordion Consultoria. É presidente do Instituto Paranaense de Compliance (Ipacom) e criadora do Movimento “Integridade sempre vale a pena”

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