Jorge Amado subvertia espaço reservado à elite na literatura, diz biógrafa

Até o final deste ano, o autor baiano Jorge Amado ganha uma biografia produzida pela jornalista baiana Josélia Aguiar. Durante seis anos, ela estudou a vida, a obra e os detalhes da história de seu biografado

Se estivesse vivo, o escritor baiano Jorge Amado teria completado 105 anos nesta quinta-feira (10). Até o final deste ano, o autor ganha uma biografia produzida pela jornalista baiana Josélia Aguiar. Durante seis anos, ela estudou a vida, a obra e os detalhes da história de seu biografado.

Em conversa com a Agência Brasil, a escritora e doutoranda da Universidade de São Paulo (USP) avalia que Amado não teve muito espaço dentro da crítica literária brasileira por tratar de temas ligados à pobreza e exclusão. Aqui [no Brasil], se você escreve um pouco mais de sociedade, dizem que você virou sociólogo, é uma forma de exclusão e de manter o espaço da literatura como de elite. E Jorge Amado subvertia isso, porque os personagens dele eram o povo, analisa.

A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

A jornalista baiana Josélia Aguiar (Divulgação)

Você se debruçou por tantos anos sobre a vida e a história de Jorge Amado. O que você destaca e o que mais te chamou atenção sobre ele?
Tem algumas coisas que as pessoas falam sobre Jorge Amado, que não correspondem, exatamente, ao que aconteceu. Por exemplo, a ideia de que o sucesso dele, no exterior, estava relacionado ao Partido Comunista, como se o partido tivesse ajudado ele a fazer uma carreira internacional. E, na verdade não foi isso. Ele começa a carreira dele por conta própria e outros fatores, além do político, contribuem para que ele tenha sucesso, por exemplo, o fato de ele tratar da vida da população negra da Bahia. Isso fez com que editores franceses se interessassem por essas histórias, num momento em que a França tinha muita curiosidade em conhecer esse outro que era dos trópicos. Ele começa uma carreira internacional e, quando se torna uma pessoa do partido, ele já é um nome. Então, o partido [comunista] entende isso e também passa a investir [nele]. Claro que há um segundo momento de divulgação da obra dele, que é quando ele vai para o exílio em 1948 [em Paris] e começa a ser traduzido no Leste Europeu, nos países comunistas. Aí sim, pode-se dizer que, pelo fato de ser comunista e militante, ele saía pelas editoras comunistas [em publicações]. Mas quando ele se afasta do partido e continua a obra, ele tem outro boom de divulgação internacional quando os livros passam a ser adaptados para o cinema. Por exemplo, nos anos 1970, ele tem um novo boom na Europa. Nos anos 80, um novo boom no mesmo continente. Mesmo países que estavam fechados para ele – como os Estados Unidos -, justamente por ele ser comunista, passaram a publicar o Jorge Amado e ele passou a ser um best seller. Quando lançou “Gabriela Cravo e Canela” (1958) e depois “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1966), ele se torna best seller nos Estados Unidos e vai para a lista do [jornal] The New York Times. E isso só foi possível porque ele deixou de ser comunista, motivo pelo qual ele era proibido de ser publicado nos Estados Unidos.

Qual obra de Jorge Amado mais te interessa?
Eu, particularmente, adoro “Os Velhos Marinheiros” (1961): o “Quincas Berro D'Água” e o Vasco Moscoso de Aragão [personagens]. Para mim, aquilo é incrível e também adoro o “Navegação de Cabotagem” (1992). Eu acho a forma de contar as histórias totalmente transgressora, no sentido de que ele brinca muito com os episódios: os dramáticos misturados com os engraçados. Ele tira o drama e faz sem fio condutor e isso é um projeto de fazer memória muito transgressor.

Para você, a crítica literária não foi gentil com Jorge Amado?

Tem momentos em que a crítica gosta muito da obra dele e isso dura muito tempo, mesmo quando tem muita gente falando mal, ao mesmo tempo tem muita gente falando bem. O que acontece é que, em determinado momento dos anos 70, a crítica literária passa a ter modelos que não são necessariamente consensuais, só que passa a predominar um tipo de crítica literária que desconsidera procedimentos, escolhas literárias e elementos da literatura de Jorge Amado. Mas isso não significa que ele não era um bom autor e isso confunde as pessoas, porque elas falam que ele é muito lido, apesar da crítica. Que crítica? Essas pessoas detêm, mesmo, o poder de dizer? A crítica não é uma ciência exata, ela tem níveis de subjetividade determinados, inclusive, pelas escolhas que se faz de teoria. Aqui no Brasil, eu percebi que a teoria literária também é uma forma de exclusão, porque tudo aquilo que trata um pouco mais da realidade e fala de pessoas pobres ou negras, por exemplo, a crítica diz que é estudo sociológico e, na verdade, essa forma de pensar esquemática era apenas uma maneira de manter o espaço da literatura distante dessas questões do país. Aqui, se você escreve um pouco mais de sociedade, dizem que você virou sociólogo, é uma forma de exclusão e de manter o espaço da literatura como de elite. E Jorge Amado subvertia isso, porque os personagens dele eram o povo, como ele dizia.