‘Jeremias – Pele’ é uma narrativa sensível e crítica de Rafael Calça e Jefferson Costa

O 18º volume do selo Graphic MSP aborda um tema delicado na sociedade brasileira: o racismo

De todos os 18 volumes do selo editorial Graphic MSP, aquele produzido por Rafael Calça (roteiro) e Jefferson Costa (arte) é sem dúvidas o mais forte e ousado. Pelo menos, na abordagem do tema proposto. Recém-lançado, Jeremias – Pele (2018) explora a questão do racismo a partir da trajetória do personagem que dá nome à graphic novel.

Aliás, o menino Jeremias é uma das primeiras criações do universo da Turma da Mônica, nos anos de 1960, mas que nunca havia experimentado o protagonismo de uma edição; sempre aparecia nos gibis da Turminha como coadjuvante. Na apresentação do livro, o criador Mauricio de Sousa faz uma espécie de mea-culpa. ‘Pele’ me ajudará inclusive a corrigir uma injustiça histórica: apesar de ser um de meus primeiros personagens, o Jeremias nunca havia protagonizado uma revista sequer. E o faz, agora, em grande estilo. Tanto que esta história forte, verdadeira, emocionante e profundamente necessária chacoalhou o nosso estúdio e, daqui pra frente, estaremos muito mais atentos à realidade que nos cerca (p. 5).

A espera demorou décadas. Felizmente, a estreia foi com o pé direito. As HQs do selo Graphic MSP costumam ser especiais. Geralmente, roteiristas e desenhistas têm a oportunidade de fazer uma releitura particular dos personagens clássicos da Mauricio de Sousa Produções (MSP), em uma história fechada (sem continuação) e destinada ao público adulto. Até aqui, já foram publicados 18 volumes.

Calça e Costa deixam a aventura e o maniqueísmo para explorar o rito de passagem de Jeremias de uma infância inocente para um mundo cercado pelo preconceito contra os meninos e meninas de origem afro-brasileira. Da escola às ruas, o pequeno protagonista sente na pele (literalmente falando) o deboche, o medo e a perseguição contra aqueles que são negros.

Gibi foi publicado em 2018 (Reprodução)

PESO

Talvez somente em Mônica – Força, de Bianca Pinheiro, uma figurinha do universo de Mauricio de Sousa tenha enfrentado uma situação similar. Naquela HQ protagonizada pela Mônica, a autora explorou uma crise familiar no seio da casa da baixinha dentuça.

No entanto, o racismo é um tema ainda mais pesado e polêmico na sociedade brasileira. O preconceito velado e a falta de representatividade do negro na mídia ainda se perpetuam no país, dando margem para que apelidos depreciativos sejam vistos apenas como brincadeiras.

Na verdade, os comentários e expressões machucam o personagem Jeremias, que precisa amadurecer rápido para lidar com coleguinhas e adultos racistas. Ele busca apoio na família, cujos pais afrodescendentes também passam por situações semelhantes.

FORMAÇÃO

Um aspecto interessante na narrativa de Rafael Calça e Jefferson Costa é trabalhar com a formação de uma identidade para o personagem principal.

Jeremias inicia o gibi de um jeito mais inocente e, graças à trajetória de amadurecimento, ele termina de outra forma, tornando-se um herói mais calejado e consciente de seu papel no mundo. Mais do que isso, o menino percebe que tem direito ao mesmo espaço ocupado pelas outras pessoas (brancas ou não).

Engana-se quem acha que Jeremias tenha ficado agressivo e intolerante. Os autores de Pele preferem uma visão construtiva e complexa do personagem, provando que o caminho do engajamento é o mais produtivo.

ORIGEM

O personagem Jeremias apareceu pela primeira vez no universo de Mauricio de Sousa em 1960, na história Um rapaz de outro mundo, publicada na revista Zaz Traz#1 (ed. Continental).

Mas a primeira vez que o menino foi chamado pelo nome Jeremias foi em Magriço, o terrível, que saiu em Bidu#3 (também da Continental). Com o passar dos anos, o personagem do chapéu seguiu como coadjuvante das aventuras da Turminha. Somente em 1983, ele protagonizou sua primeira história.

Na graphic novel, Jeremias precisa lidar com meninos racistas (Reprodução)

SÉRIE

Nas mãos de quadrinistas convidados, já passaram pelo selo Graphic MSP as novas versões do Astronauta, Chico Bento, Piteco, Bidu, Penadinho, entre outros.

Para este ano, estão previstas mais três graphic novels, além de Jeremias – Pele: Cebolinha, de Gustavo Borges; Horácio, de Fábio Coala; e Astronauta IV, de Danilo Beyruth.

SERVIÇO

Publicada pela Panini Brasil, a HQ Jeremias: Pele pode ser adquirida em sites de livrarias e lojas especializadas (R$ 41,90) ou nas bancas de revistas (RS 31,9).