Harold Bloom e a verve crítica

Autor de clássicos como “O Cânone Ocidental” e “Shakespeare: a invenção do humano”, o norte-americano morreu na segunda-feira (14) aos 89 anos de idade

Na linha de frente da crítica literária, o norte-americano Harold Bloom (1930-2019) colecionou polêmicas e se tornou involuntariamente uma figura pop nas últimas décadas.

Morto aos 89 anos de idade nesta segunda-feira (14 outubro), o intelectual era famoso pela análise sem peias, principalmente quando combatia as ideias equivocadas de seus alvos.

Nos anos de 1990, Bloom centrou fogo em multiculturalistas e feministas a partir do lançamento de seu livro O Cânone Ocidental (1994). O catatau de 500 páginas discute a literatura ocidental por meio do trabalho de autores clássicos como W. Shakespeare, Samuel Beckett, Pablo Neruda e Fernando Pessoa, entre outros.

À época, muita gente viu nesse livro uma reação conservadora de Bloom à ascensão dos estudos culturais nas universidades norte-americanas. Resumidamente, essa então nova forma de abordagem dava voz para autores e literaturas à margem dos centros.

O famoso crítico dizia que a importância de uma obra não devia se limitar ao gênero ou à pigmentação da pele dos autores. Por isso, ele propunha essa valorização dos textos canônicos.

O impacto de O Cânone Ocidental foi tão forte que se tornou ementa de disciplina no curso de Letras do campus Irati, na Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro). De fato, Bloom tem muita propriedade para a seleção e fundamentação dos autores presentes em sua monumental obra. Mas, por outro lado, o escritor também é visto como um intelectual que prioriza a literatura produzida no mundo anglófilo, branco e falocêntrico.

Nesse mundo de radicalismos, o crítico poderia ser visto hoje como um escritor misógino e racista. No entanto, seu pensamento arguto e sua análise consistente escapam a esse tipo de reducionismo.

SHAKESPEARE

O autor predileto de Harold Bloom é sem dúvida o dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616), responsável por Romeu e Julieta e Hamlet, entre tantos.

Basta ver Shakespeare: a invenção do humano, livro escrito por Bloom e lançado ao final dos anos de 1990. Nessa obra, o autor se debruça sobre todas as peças do bardo, elaborando uma análise profunda e detalhada em que se sobressaem pontos que formam o conceito de humano.

ANGÚSTIA

Além de crítico e historiador, Bloom se destaca também no campo da teoria literária. Escrito por ele em 1973, A Angústia da Influência se tornou um clássico da área.

Nesse pequeno tratado, o autor aborda a angustiante relação entre autores que se sucedem ao longo da história da literatura.

Em sua teoria, todo autor vem de outro autor, e o novo poeta só se torna quem é quando tem força para deixar escutar a voz do precursor na sua própria voz, sem se deixar dominar por ela. O processo pode levar tempo. E tende a ser reprimido, como as tramas familiares na psicanálise freudiana, diz o editor e tradutor Arthur Nestrovski, em texto publicado no jornal Folha de S.Paulo.