A ferro quente: desenhista utiliza solda em graphic novel nacional

Na semana em que se comemora o Dia do Quadrinho Nacional, o CORREIO recomenda ‘Cidade de Sangue’, graphic novel escrita por Márcio Jr. e desenhada com ferro de solda pela lenda viva do gibi brasileiro Julio Shimamoto

Goiânia é uma cidade que escorre sangue. Violência, crimes, sexo e paixão dão um tom avermelhado à capital do Estado de Goiás. Entre prédios de concreto e aço, cenas de assassinatos e chacinas se sucedem no Planalto Central.

É nesse ambiente que o repórter policial Carlão, do jornal A População, precisa circular para conseguir furos de reportagem, fotos sensacionalistas e a cobiçada manchete. Ele não aguenta mais o ambiente sufocante e avermelhado de Goiânia. A seu lado, está a fotógrafa Paula, que tem um estranho gosto por cenas de violência.

Personagens e cenário formam o núcleo principal de Cidade de Sangue (2018), graphic novel brasileira escrita por Márcio Jr. e desenhada pelo mestre Julio Shimamoto. Além do roteiro bem engendrado, o que chama atenção nesse gibi publicado pela MMarte é o traço da narrativa.

A história da HQ se situa nos dias atuais, porém o estilo gráfico transporta o leitor para uma boa trama policial dos anos de 1970. É um desenho visualmente simples, mas com uma sujeira e uma dinâmica que dão todo um charme à narrativa.

Sem contar que a cor vermelha é uma mancha nas páginas desenhadas em preto-e-branco. Dá a impressão que o sangue (e seu vermelho) cobre de violência e tara sexual o painel urbano de Goiânia. Tudo por causa da onda de crimes que Carlão e Paula transformam em notícia para o jornal A População.

Inclusive, as personagens são apresentadas em traços grossos, fortes e manchadas de vermelho. É como se o sangue que escorre na capital de Goiás respingasse nos protagonistas de Cidade de Sangue. Ainda mais porque um deles guarda uma espécie de perversão sexual por cenas de violência, cuja explicação pode estar no passado.

(Foto: Imagem apenas para divulgação da obra)

SOLDA

Todo esse visual gráfico se torna mais impactante quando o leitor fica sabendo, no material extra do gibi, que o desenhista Shima, como é mais conhecido, utilizou um ferro de solda para dar forma aos quadros. Isso mesmo, a lenda vida das HQs nacionais desenvolveu um pincel diferente para ilustrar as impressionantes páginas de Cidade de Sangue.

Segundo informações oficiais, a primeira parte do processo consistiu em definir as margens no papel térmico (papel de fax). Shimamoto usou um gabarito e um mini-maçarico.

Depois, o quadrinista foi para uma mesa de luz. Ele sobrepôs o papel térmico ao rápido esboço realizado em papel manteiga. Assim, Shima começou então o desenho propriamente dito. Ele utilizou ferro de solda com luva protetora de madeira, adaptada pelo artista para evitar queimaduras nas mãos.

Já o letreiramento foi feito em papel avulso, que foi escaneado e transformado em negativo no Photoshop. Depois de impresso, foi colado diretamente sobre a página.

Como o papel térmico tem baixíssima durabilidade, Shima produziu uma fotocópia em xerox da página original. É esta cópia que foi escaneada, dando origem aos arquivos que foram utilizados na impressão do livro.

Capa da graphic novel

FINAL

A partir do roteiro plotado de Márcio Jr., Julio Shimamoto esboçou as páginas em papel manteiga, fazendo as alterações consideradas necessárias à dramaticidade das cenas.

Em seguida, sobre papel térmico na mesa de luz, Shima desenhou a página definitiva, utilizando ferramentas artesanais e maçaricos.

Após aplicar balões, recordatórios e onomatopeias, o desenhista fotocopiou a página e a digitalizou, para posterior tratamento de imagem e colorização.

Enfim, Cidade de Sangue é resultado de todo um processo artesanal empreendido por um dos nomes mais importantes do quadrinho brasileiro. Na Bienal de Quadrinhos de Curitiba 2018, realizada na capital paranaense, uma exposição reuniu os originais de Shima nessa HQ e as ferramentas utilizadas no trabalho. Material impressionante!

LENDA

Julio Shimamoto é uma verdadeira lenda viva do gibi feito no Brasil. Com mais de cinco décadas de atuação, ele conquistou os principais prêmios da área – HQMix, Angelo Agostini e FIQ – e trabalhou em editoras históricas.

Segundo o pesquisador britânico Paul Gravett, Shima é o autor do primeiro mangá produzido no Ocidente.

SERVIÇO

A graphic novel Cidade de Sangue pode ser adquirida no site da Ugra (CLIQUE AQUI), ao custo de R$ 40 (sem contar o frete).