Seis décadas de Diabolik, um ‘fumetti neri’ da Itália
Criado pelas irmãs Giussani em 1962 e publicado pela editora Astorina, Diabolik completa 60 anos de história cooptando leitores mundo afora. Inclusive no Brasil, onde já teve revista seriada em banca e hoje é mantido de maneira independente. Em entrevista ao CORREIO, o atual editor brasileiro, Leonardo Campos, conta mais sobre o personagem
Não se engane. Ele pode até parecer um cara legal e romântico. Mas seu objetivo é dar golpes, elaborando planos milimetricamente calculados e realizando furtos milionários.
Assim é Diabolik, um bandido apaixonado por sua companheira de crimes, Eva Kant, e homem de mil disfarces e estratagemas. Somente a genialidade e tenacidade do inspetor Ginko é capaz de enfrentá-lo.
Há 60 anos, esse ladrão vem cooptando leitores mundo afora. Diabolik é publicado até hoje na Itália em edições de bolso, 12 x 17cm, em histórias de 120 páginas. Este formato tornou-se uma marca do personagem. Seu sucesso é tão grande que, atualmente, vende mais de 1 milhão de exemplares por ano, na sua terra natal.
Diabolik foi criado pelas irmãs Giussani em 1962 e publicado pela editora Astorina. “Na época, o fato do ‘herói’ ser um ladrão sem escrúpulos causou grande escândalo. E consequentemente foi um grande sucesso. Criou até uma nova linha: os ‘fumetti neri’, versão dos quadrinhos ‘noir’”, diz um texto publicado pelo jornal Folha de S.Paulo em 12 de fevereiro de 1990, na seção “Lançamentos” da então página de quadrinhos da Ilustrada.
Na virada de 1989 para 1990, a editora Record lançou no Brasil uma revista regular do personagem (“Diabolik”, subtítulo “policial em quadrinhos”), com 125 páginas, p&b em formatinho (11,5 x 17,5 cm), custando em cruzado novo (moeda da época). Mas essa publicação teve vida curta.
Aliás, a trajetória da famosa criação das Giussani sempre foi acidentada em nosso país. Ao longo do tempo, segundo o site Guia dos Quadrinhos, foram apenas três passagens: sete edições pela Nueva Fronteira (editora argentina que publicava no Brasil), 12 números pela Vecchi (anos 80) e 15 mensais e uma edição especial dupla pela editora Record nos anos de 1990.
Após um hiato de quase três décadas, Diabolik voltaria ao mercado editorial brasileiro somente em 2018, graças à editora independente 85, de São José dos Campos (SP). Ela já publicou três volumes inéditos, em edições de bolso. Atualmente, a 85 está em pré-venda no Catarse da HQ “Grande Diabolik” 1 (confira AQUI), que é uma série produzida desde 1997 na Itália, em formato maior e sempre com histórias completas.
Para saber mais sobre o personagem e o projeto, o CORREIO conversou com o editor Leonardo Campos. A seguir, os principais trechos:
Como surgiu a ideia de trazer Diabolik ao Brasil, após 27 anos sem publicação? Quando você conheceu o personagem?
Diabolik é um quadrinho que eu sempre encontrava nos sebos (as edições da Record) e acabei comprando e curtindo muito. Giallo é um dos meus gêneros favoritos [na Itália, são publicações que traziam em sua maioria histórias de detetive e de serial killers]. Quando surgiu a ideia de criar uma editora, e ao descobrir que a Panini italiana também licenciava Diabolik para o mundo, foi fácil tomar a decisão.
Desde 2018, você já publicou três edições de bolso estreladas pelo personagem e agora está em campanha para lançar o “Grande Diabolik 1” (no formato Bonelli). Como tem sido a recepção dos leitores brasileiros? Você tem feito grandes tiragens? Tem encalhe?
Diabolik tem vendas discretas. Acredito que desde os tempos da Record. Porém, é um público muito fiel. A ideia por trás de Grande Diabolik é atingir públicos avessos ao formato bolso e expandir o horizonte do personagem no Brasil.
Como foi negociar com a Astorina para publicar novamente o personagem no Brasil?
Toda a negociação é feita com a Panini italiana, o que, desde 2018, é bem tranquilo. E a Astorina, que aprova as propostas, parece gostar do que estamos fazendo no Brasil.
O que esse personagem criado pelas irmãs Giussani tem de especial para estar há 60 anos no mercado de quadrinhos? Aliás, como estão as vendagens e a circulação do Diabolik hoje (número de revistas, produtos etc.) lá na Itália?
Diabolik, na Itália, representa o giallo em quadrinhos, assim como Tex representa o faroeste. São dois personagens muito fortes na cultura italiana, que sempre preservou suas tradições. Hoje Diabolik possui duas séries inéditas (mensal e Il Grande Diabolik) e duas reedições (R e Swiisss). Diabolik vende perto de 1M por ano, somando as vendas de todos os títulos.
Em 1962, as histórias do Diabolik chocaram pelo fato do “herói” ser um bandido. Inclusive, ele é um “anti-herói” ou apenas um criminoso com escrúpulos, na sua avaliação? Ele inaugurou o gênero do “fumetti neri” (versão dos quadrinhos “noir”), correto?
Quando foi criado, Diabolik era muito mais cruel do que é hoje. O personagem chocava os leitores e a sociedade. Aos poucos ele foi sendo modificado, não deixando é claro de ser um bandido, mas criando um senso de lealdade com outros personagens e demonstrando certa empatia.
Em um texto do Rogério de Campos em 1990 por conta da volta do personagem pela Record, publicado no jornal O Estado de S.Paulo, o futuro editor da Veneta analisava que o personagem é um bandido que protagoniza histórias recheadas de violência; mas sem mostrar cenas de sexo ou sangue, numa espécie de moralismo das irmãs Giussani. O que você acha dessa análise?
Sim, é uma análise coerente. Apesar da crueldade com suas vítimas, Diabolik vive um romance bem leve com sua amada Eva Kant, provavelmente com o intuito de atrair mais leitoras para o título. Isso se tornou uma das marcas da série.
Antes da Editora 85, o personagem da Astorina apareceu em passagens rápidas por três casas brasileiras (Nueva Fronteira, Vecchi e Record). Por que Diabolik não se firmou no Brasil? Erro de estratégia dessas editoras, por exemplo? A venda não funcionou nas antigas bancas de jornal?
Acredito que o formato não tenha agradado tanto os leitores. O esquema de bancas da época exigia tiragens muito altas e infelizmente as vendas não devem ter justificado o projeto.
No ano passado, foi lançado um filme baseado nos fumetti do Diabolik. Você chegou a assistir? Conhece a produção de 1968?
Ainda não tive a oportunidade de ver o novo filme, mas li algumas críticas bem positivas. O filme de 1968 é muito bom.
Como é ser um editor independente? Você trabalha sozinho? É uma atividade paralela a outro emprego?
É bem corrido. Tenho dois parceiros que auxiliam nos projetos, mas em geral é um trabalho de duas mãos, feito nas horas livres, pois tenho uma ocupação principal.
Você tem se especializado nos fumetti (Astorina, Bonelli etc.). É um trabalho de resgatar personagens que estão fora do mercado brasileiro?
Sim, a 85 hoje é focada em quadrinhos italianos. Além dos resgates, estamos trazendo novas séries ao público brasileiro, como Morgan Lost, Hellnoir, Saguaro e Cassidy.
***********Reportagem: Cristiano Martinez, especial para CORREIO