Resenha: graphic novel mergulha na trajetória de Robert Johnson, lenda do blues

Produzida pelos quadrinistas franceses J.M. Dupont (roteiro) e Mezzo (desenhos), a HQ “Robert Johnson: Pacto de Amor à Música” foi lançada em 2022 no Brasil pelo selo Macabra da DarkSide Books

Pobreza, abandono familiar, viuvez precoce, segregacionismo, vida errante… Robert Leroy Johnson conviveu com tudo isso para se tornar um grande músico de blues. Ou melhor, para virar uma das pedras fundamentais (e movimentadas) do gênero.

É possível dizer que o cara encontrou na música a sua salvação… e também a sua perdição. Esta é a versão contada pelos quadrinistas franceses J.M. Dupont (roteiro) e Mezzo (desenhos) na graphic novel “Robert Johnson: Pacto de Amor à Música”, lançada no Brasil em 2022 pelo selo Macabra da DarkSide Books (tradução de Ticiane Martins).

Para contar a trajetória de 27 anos de Robert, indo de seu nascimento em 1911 até a morte em 1938, a dupla de autores montou uma narrativa visceral, com tintas em preto/branco, em quadros largos na horizontal e detalhados. É como se fosse um filme em tela widescreen, ou seja, um quadrinho com proporção maior em relação ao convencional e personagens preenchendo toda a largura.

Isso proporciona um efeito bacana para o andamento da história, que é contada por um personagem que se revela aos poucos, até culminar na apoteose das últimas páginas da HQ, com alguns saltos no tempo após a morte do protagonista (vítima de uma pneumonia).

Não é segredo nenhum para os fãs de música, principalmente do rock, que Robert teve uma trajetória curta e intensa, compondo canções fundamentais para o blues. Dupont e Mezzo mostram as origens do personagem, na pacata cidade de Hazlehurst, no Mississippi, passando pelas perdas familiares e o perfil mulherengo, até chegar ao retrato do preconceito e da alma atormentada.

Edição brasileira em capa dura tem acabamento de luxo (Foto: Redação/Correio)

PACTO
Claro que a história sobre o pacto faustiano não poderia faltar nessa HQ. Reza a lenda que o compositor de “Crossroad Blues” teria feito acordo com uma entidade sobrenatural, demoníaca, para se tornar o maior músico de blues do Delta do Mississipi. Depois de ficar sumido, Robert voltou tocando muito melhor e compondo como nunca.

Essa teoria é explorada em filmes e canções. Em “A Encruzilhada” (1986), o jovem e talentoso guitarrista Eugene Martone (Ralph Macchio) convence o velho bluesman Willie Brown (Joe Seneca) a encontrar uma música perdida de Robert Johnson. Esse longa-metragem de Walter Hill explora o tema da troca da alma pelo sucesso.

Já o brasileiro Celso Blues Boy compôs e gravou “Mississipi” em seu álbum de estúdio “Indiana Blues” (1986). Com participação especial da lenda BB King, a canção versa sobre a venda da alma ao Diabo: “Teria feito um trato/Numa encruzilhada/Pra tocar o blues como nunca tocou”.

Dupont e Mezzo tocam no assunto, mas de maneira ambígua. Ao mesmo tempo que citam o famoso “acordo” na encruzilhada, também informam que Robert teve um ano e meio para treinar com os melhores músicos e aperfeiçoar seu jeito de tocar. Em outras palavras, os quadrinistas nem afirmam, nem desmentem por completo a teoria mística.

O que importa é que Robert Johnson conseguiu cravar seu talento na história do blues, legando canções que se tornaram clássicas e fundadoras, a despeito de uma vida sofrida e errante. Músicos talentosos da época nem chegaram perto disso.

EXTRAS
A edição da DarkSide, além do acabamento de luxo, vem com material extra: um Song Book com algumas músicas escritas e compostas por Robert Johnson, em versão bilíngue (inglês/português), ao lado de belas ilustrações.

As páginas reúnem “Come on in my Kitchen”, “Terraplane Blues”, “Crossroads Blues”, “Me and The Devil Blues”, “Love in vain”, “Sweet Home Chicago” e “32-20 Blues”. Elas foram aproveitadas com versos em passagens da narrativa da HQ.

Além de uma bibliografia sobre Robert, blues e vodu.

SAIBA MAIS
Robert Johnson (1911-1938) é o lendário compositor, cantor e violonista considerado um dos maiores músicos de blues da história e o modelo para o que se tornou o rock’n’roll. Nascido em Hazlehurst, Mississippi, em maio de 1911, Johnson era considerado um músico mediano até que desapareceu da cena artística, e voltou um ano e meio depois com habilidades incríveis no violão, deixando seus mentores de queixo caído e atingindo a grandeza com músicas que se tornaram hinos do blues. Morreu aos 27 anos. Apesar dos poucos registros, muito se conta a respeito deste grande artista que transformou a história da música.

Jean-Michel Dupont (1956) é roteirista de quadrinhos e nasceu em Valenciennes, França. Estudou comunicação audiovisual na Sorbonne-Paris-Nord University e foi jornalista da imprensa de rock e cinema. Motivado pela história de Robert Johnson, escreveu esta graphic novel, traduzida para inúmeros idiomas e aclamada pela crítica. Em 2017, Jean-Michel Dupont e Mezzo filmaram “Mississippi Ramblin'”, documentário em tributo a Robert Johnson, dirigido por Nicolas Finet.

Mezzo (1960) é quadrinista e nasceu em Drancy, França. Ávido admirador de Robert Crumb, é um dos artistas mais respeitados no mercado de quadrinhos francês. Seu traço poderoso e habilidade de transformar as palavras em arte serviram de influência para inúmeros artistas de vários países. Além de “Robert Johnson: Pacto de Amor à Música”, Mezzo tem o título “King of the Flies”, avaliado com sucesso pela crítica.

Largura maior na horizontal dos quadros é explorada pela HQ (Foto: Reprodução)

SERVIÇO
“Robert Johnson: Pacto de Amor à Música” tem 80 páginas, capa dura, formato 26 x 2 x 17 cm, a R$ 59,90 no site da DarkSide.

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