Por que ler ‘Memórias póstumas de Brás Cubas’?

A escritora e criadora de conteúdo Courtney Henning Novak viralizou ao reagir à leitura de Machado de Assis. “Por que ninguém me avisou que esse é o melhor livro já escrito?”, pergunta em um de seus vídeos no TikTok a respeito da edição em inglês, produzida pela editora Penguin Classics, com tradução de Flora Thomson-DeVeaux

A recente postagem de uma influenciadora tem feito barulho nas redes sociais por conta de “Memórias póstumas de Brás Cubas” (1881), clássico da literatura brasileira escrito pelo mito Machado de Assis (1839-1908) no século 19.

Passado tanto tempo, ainda é um livro que desperta interesse. Seja no leitor ou leitora nativos, seja aos olhos gringos.

Entenda o caso. A escritora e criadora de conteúdo Courtney Henning Novak viralizou ao reagir à leitura de Machado de Assis. “Por que ninguém me avisou que esse é o melhor livro já escrito?”, pergunta em um de seus vídeos no TikTok a respeito da edição em inglês, produzida pela editora Penguin Classics, com tradução de Flora Thomson-DeVeaux.

Só isto fez com que esse romance realista de Machado de Assis se tornasse o livro mais vendido da categoria “Literatura Latino-Americana e Caribenha” na Amazon dos Estados Unidos, conforme o jornal O Estado de S. Paulo.

A obra machadiana se tornou um dos best-sellers da plataforma. Na lista latino-americana, o livro ultrapassou clássicos como “Amor nos Tempos do Cólera”, de Gabriel García Marquez, e a coletânea de ficções de Jorge Luis Borges. Além disso, a versão e-book de Brás Cubas figura em 11º na lista.

Se você fugiu da escola ou dormiu na aula do professor do português (ou ainda fez um “copia/cola” daquela resenha de literatura, lembra?), não deve estar entendendo patavina sobre todo esse auê em torno de Brás Cubas e companhia limitada.

Pois saiba que esse livro de Machado, talvez o maior autor da história da literatura brasileira (uns preferem Graciliano Ramos, outros Lima Barreto e claro Clarice Lispector), é uma verdadeira obra-prima. É daqueles livros que merecem sua atenção, pelo menos uma vez na vida. É o tipo de obra que vale a pena se relida ao longo de nossa pequena trajetória na Terra, seguindo a ideia de Ítalo Calvino. Clássico é clássico, e vice-versa.

Mas do que se trata “Memórias póstumas de Brás Cubas”? Em linhas gerais, conta a história do personagem do título, um legítimo representante da fina flor da elite brasileira do século 19, um típico bon vivant. Na condição de “defunto autor”, ele resolve desnudar de maneira sarcástica e bem-humorada a sociedade e a sua própria trajetória, sem se levar a sério. A vida póstuma lhe dá total liberdade.

É célebre a dedicatória do romance: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”.

A narrativa machadiana é moderna, experimental e provocadora. De fundadora da escola literária do Realismo no Brasil, não tem quase nada. Era um texto inovador em fins do século 19 e hoje ainda é chamativo, principalmente pelo seu estranhamento. A cada virada de página, o leitor e a leitora se surpreendem com a condução e o modo como as coisas vão surgindo. Por exemplo, o capítulo “De Como Não Fui Ministro d’Estado” é composto apenas de pontinhos. Mais nada.

Capa da edição em inglês de “Memórias póstumas de Brás Cubas” (Foto: Reprodução)

OBRIGAÇÃO
Nos anos 2000, o professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP), Valetim Facioli, disse ao jornal O Estado de S.Paulo que a narrativa de Brás Cubas causava estranhamento e cuja leitura era “uma obrigação” de todo brasileiro letrado, mas nem sempre feita com a devida profundidade. Ao mesmo tempo, Facioli lamentava que, naquela altura, havia poucos estudos sobre “Memórias póstumas de Brás Cubas”.

Inclusive, o autor lançava no ano de 2002 o livro de sua autoria “Um defunto estrambólico” sobre esse clássico da literatura brasileira. Ou seja, “Memórias póstumas…” seria uma obra estrambólica, esquisita, com um narrador que ora diz a verdade, ora deixa claro que pode estar mentindo, pondo em xeque o romance realista. Mas a força de Machado está justamente nisso, conforme Facioli: o escritor se apropria de uma forma clássica e a renova – “o delírio passa a conviver com um texto capaz de criticar com acidez e ceticismo seu tempo e seu meio”, diz o texto do Estadão.

“A sátira cai como uma luva num país em que as ideias liberais conviviam com a escravidão”, afirmou Facioli nessa entrevista.

MAIS
Se você ainda não se convenceu a ler “Memórias póstumas de Brás Cubas”, saiba que este livro tem ainda erudição, delírios e sonhos, fina ironia, galhofa, melancolia e rebeldia. É perfeita para mataronar.

Nem que seja apenas para saber o que é o tal do “Emplasto Brás Cubas”!

E não precisa nem comprar o livro, pois você pode baixar de maneira legal qualquer edição no site Domínio Público (www.dominiopublico.gov.br). Além de dezenas de volumes em papel acessíveis ou em sebos (falamos nas bibliotecas públicas?!).

Recomenda-se também o site especial sobre a vida e a obra de Machado de Assis (https://machado.mec.gov.br/).

AUTOR
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro em 1839. Filho de mãe açoriana e de pai afrodescendente, publicou poesia, crítica, teatro, tradução, crônica, conto e romance. Ao todo, 26 títulos entre 1861 e 1908, ano de sua morte.

É autor de romances como “Dom Casmurro” (1899) e “Quincas Borba” (1891).