Nem Proust explica

Ah, o tempo. Quem consegue entender ou controlar? Mesmo assim, ou talvez por isso, não deixa de ser objeto/tema do cancioneiro brasileiro, principalmente no rock/pop, falando no pretérito. Nesta edição da série especial “Dá o Play”, um passeio por sete letras de música sobre o tempo (já diria o Nenhum de Nós)

Quando viu, já foi. O relógio segue sua marcha incessante de milésimos de segundos até formar minutos, horas, dias, anos, décadas, séculos, milênios… O tempo muda sem destino.

Na literatura, Marcel Proust esteve (ou “está”?) “Em busca do tempo perdido”. Nem ele entendeu. Do passado ao presente, sem saber o futuro, é uma questão filosófica e deveras complexa.

Mas artistas e compositores já usaram o tempo como mote para canções. Na edição desta série bissexta “Dá o Play”, vamos viajar por sete letras de música (com direito a bônus) que escorrem pelas mãos neste exato momento de leitura, que já passou. A lista segue ordem cronológica, dando a impressão que sabemos controlar o instante.

LULU
Em 1982, Lulu Santos lançou o álbum “Tempos modernos” que, curioso, foi batizado com o nome de uma das faixas. Aliás, essa canção composta pelo próprio artista abre o disco oitentista.

Ao mesmo tempo, a letra é positiva, pois enxerga uma “vida melhor” no futuro; e melancólica, já que o tempo passa de maneira inexorável, “Hoje o tempo voa, amor/Escorre pelas mãos”.

E os versos “Eu vejo um novo começo de era/De gente fina, elegante e sincera” se tornaram muito populares, quase um para-choque de caminhão. Marisa Monte regravou “Tempos modernos” em 1996, no álbum “Barulhinho bom”.

METRÔ
Ainda no tempo passado dos anos de 1980, a banda “meio brasileira/meio francesa” Metrô fez muito sucesso com “Tudo pode mudar”, em seu primeiro disco de estúdio: “Olhar” (1985), verdadeira coleção de hits.

Capitaneada pelo refrão “Que no balanço das horas/Tudo pode mudar/Que no balanço das horas/Tudo pode mudar…”, esse single é uma pérola do new wave típico daquele momento de explosão do rock no Brasil. Em resumo, muita roupa colorida, tecladinho Casio, futurismo, clima solar, certo nonsense e ingenuidade.

Uma curiosidade: a cantora e apresentadora Eliana regravou a música para seu último disco, “Diga Sim”, lançado em 2004, nos formatos CD e VHS.

LEGIÃO
Parece que estamos presos à década oitentista, pois o próximo da lista é “Tempo perdido”, um clássico juvenil da Legião Urbana, famosa banda liderada pelo messias Renato Russo.

Essa composição sobre a inevitável passagem do tempo está no álbum “Dois” (1986). O riff dedilhado na abertura é a principal marca da faixa.

E, claro, somente um cara como Renato poderia escrever “Veja o sol/Dessa manhã tão cinza/A tempestade que chega/É da cor dos teus olhos/Castanhos”.

NOVENTA
Mal rompe a manhã, chegamos aos anos de 1990, com três exemplares. O primeiro deles é “Sobre o tempo”, canção enigmática da banda mineira Pato Fu. Tal canção está em “Gol de quem?” (1995). Engraçado, quanta interrogação.

Pudera. Olha: “Tempo, tempo mano velho, falta um tanto ainda eu sei/Pra você correr macio/Como zune um novo sedã”.

Em tempo: a banda gaúcha Nenhum de Nós, de uma geração anterior, também compôs a sua própria “Sobre o tempo”, que é outra canção. Está no disco “Extraño” (1990) e tem o refrão: “O tempo passa e nem tudo fica/A obra inteira de uma vida/O que se move e/O que nunca vai se mover êê, êê”.

Saindo do rock/pop, a dupla Thaíde & DJ Hum lançou “Sr. Tempo Bom” em 1996, no álbum “Preste atenção”. É uma verdadeira coletânea de episódios do passado, marcados pelo refrão “Que tempo bom, que não volta nunca mais”.

E, por fim, uma banda dos anos 80 que seguiu na ativa nas décadas seguintes. Em 1998, o Ira! gravou o experimentalmente eletrônico “Você não sabe quem eu sou”. Mas uma das baladas mais “normais” desse disco é “O tempo”, do verso certeiro “O tempo é uma ilusão”.

RELES
Claro que não podia faltar uma banda paranaense. Em 2003, a Relespública (de Curitiba) lançou o clássico álbum “As histórias são iguais”.

Um dos principais hits desse disco é “Nunca mais”, que relembra um “dia longo de trovões”. Mas os versos mais marcantes são estes aqui: “Não quero nem saber, acendo um cigarrinho pra pensar/Que meu passado foi pra nunca mais”. Poesia pura. Verdadeiro nó na cabeça de Paul Ricoeur.

**********Texto/pesquisa: Cria Nascimento, especial para CORREIO

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