Resenha: graphic novel de Schechter e Powell, ‘Ed Gein’, mergulha no ‘horror que mora ao lado’

Lançamento da DarkSide Books no Brasil, “Ed Gein” dramatiza graficamente a trajetória de Edward Theodore Gein, figura real que inspirou a produção de “Psicose”, “O massacre da serra elétrica” e “O silêncio dos inocentes”, que são livros/filmes de referência para o gênero do terror

Norman Bates. Leatherface. Buffalo Bill. Além de ícones do terror, o trio tem em comum uma mesma raiz cultural.

Eles foram inspirados em Edward Theodore Gein (1906-1984), assassino que aterrorizou a minúscula cidade de Plainfield, no Wisconsin (EUA).

O círculo de medo começou nos anos de 1950, com mortes e desmembramento de mulheres, violação de túmulos e confecção de máscaras feitas com pele humana. Tudo isso é atribuído a Ed Gein.

Eddie é o cara que inspirou o surgimento dos protagonistas do mal em obras que são referência na cultura pop. Um é o Norman Bates do livro “Psicose” (1959), de Robert Bloch, e a adaptação cinematográfica homônima de Alfred Hitchcock, em 1960. Outro é Jame Gumb, o Buffalo Bill do romance “O silêncio dos inocentes” (1988), de Thomas Harris, que também virou filme em 1991, com Anthony Hopkins no papel do Dr. Hannibal Lecter. E, por fim, o homem que usava pele humana chamado de Leatherface no longa-metragem “O massacre da serra elétrica” (1974).

De tanto inspirar, o assassino original ganhou sua própria versão na dramatização gráfica feita pelo escritor Harold Schechter e o desenhista Eric Powell em “Ed Gein”, graphic novel lançada em 2022 pela DarkSide Books em edição primorosa de capa dura (com tradução de Carlos H. Rutz).

Edição brasileira da HQ (Foto: Reprodução)

TRAJETÓRIA
Do nascimento à relação tirânica de sua mãe, passando pela existência solitária, a vida de Ed é contada cronologicamente pelos autores nessa HQ. Schechter tem propriedade para escrever sobre o assunto, pois ele é especialista em crimes históricos reais, tendo publicado obras de não ficção como “Serial Killers: Anatomia do Mal” e “Deviant: The shocking true story of Ed Gein, the original ‘Psycho’” (“Estranho: A verdadeira e chocante história de Ed Gein, o Norman Bates original de ‘Psicose’”).

A HQ de Schechter e Powell é baseada quase inteiramente em materiais de fonte primária: relatos contemporâneos de jornais do Wisconsin, documentos forenses, relatórios psiquiátricos, entre outros. Mas, claro, trata-se de uma narrativa ficcional, em que se permite introduzir personagens e situações para dar coerência e ritmo ao andamento da ação.

De maneira geral, os autores conseguiram produzir uma graphic novel impressionante, tanto no conteúdo quanto na arte. Powell apresenta trabalho caprichado, com traço repleto de sombras e volume. Sem contar a técnica do lápis em algumas passagens. O quadrinista já ganhou vários prêmios Eisner (o Oscar da Nona Arte nos Estados Unidos) e trabalhou para as grandes editoras, desenhando Superman, Hulk, Hellboy, Star Wars etc.

E Schechter enveredou por um caminho digamos mais didático, inserindo o leitor no contexto de cada época da vida de Ed Gein, utilizando para isso datas, fatos e dezenas de recordatórios ao longo de 240 páginas. É uma narrativa linear e que não oferece dificuldades de leitura.

MÃE
Sem dúvidas, a figura mais forte na graphic novel é Augusta W. Gein, casada com George e mãe de Edward e Henry. O autor de “Psicose” explorou bem essa relação dominadora e tóxica em seu respectivo livro.

No entanto, a narrativa gráfica de “Ed Gein” não tem (alerta de spoiler) o famoso cadáver da mãe em cena, tal como Bates faz no clássico longa-metragem de Hitchcock. Por outro lado, Ed produz as máscaras e o corpo feitos de pele humana para se vestir, em sequências que lembram rituais religiosos. A tese da HQ é de que dona Augusta Gein é uma espécie de deusa-mãe para o assassino, um homem solitário, esquisito e aparentemente pacato.

Em vida, Augusta era uma mãe controladora e fanática religiosa, vendo o pecado em tudo. Ed desenvolve uma relação de adoração e fetiche com a própria genitora. Mesmo após sua morte, a figura materna se torna ainda mais presente, levando o protagonista a cometer atrocidades, como matar mulheres que lembram a falecida e violar sepulturas.

A princípio, a imprensa e especialistas trabalham com a hipótese do freudiano complexo de Édipo na narrativa da HQ. Ou seja, Ed sente desejo pela mãe.

Mas os autores de “Ed Gein” preferem outro caminho. Por isso, incluíram uma personagem totalmente fictícia. “… a especialista em religiões antigas, professora O’Hara, que serve como porta-voz de nossa teoria (ela mesma baseada em pesquisas profundas) sobre a natureza ritualística das práticas grotescas de Gein”, conforme um dos Apêndices do livro.

A certa altura da história, a professora diz o seguinte, em conversa com o repórter Dexter Corben: “A Sra. Gein não era apenas uma mãe dominadora e sufocante. Ela era a deusa dele [Ed]”. Obviamente, o assassino não sabia das raízes de seus atos em rituais de povos antigos.

Foto: Reprodução

PSIQUE
Outra teoria apresentada em “Ed Gein” é de que os crimes praticados pelo personagem-título impactaram a psique americana. Antes dele e de “Psicose”, os filmes de monstro eram sobre algo de fora: Transilvânia, Alemanha, Inglaterra, espaço.

“Em sua encarnação como Norman Bates, Ed Gein começou algo novo e revolucionário nas telas do cinema: o monstro americano por essência. O horror que mora ao lado”, diz um dos recordatórios.

SERVIÇO
A edição brasileira de “Ed Gein” pode ser adquirida diretamente com a DarkSide, em seu site, clicando AQUI.

*******Texto/Pesquisa: Cristiano Martinez, especial para correiodocidadao.com.br

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