Cem anos do rádio no Brasil: as novas tecnologias e a aposta no futuro

O acesso via celular, possível apenas com a chegada dos smartphones (o primeiro foi o iPhone, da Apple, em 2007), também aumentou a frequência de acesso as webrádios e streamings. Quinze anos depois, o formato se mostra consolidado

O rádio experimentou mudanças nunca vistas na história nos últimos anos. A ampliação do acesso à internet e, principalmente, da produção de conteúdo fez com que o rádio migrasse de plataforma e experimentasse novos formatos.

Já no final dos anos 1990, as primeiras rádios surgiram na internet do Brasil. Registros da pesquisadora e professora da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Nair Prata apontam que a rádio Totem, de São Paulo, foi a primeira rádio 100% online no Brasil. A emissora foi fundada em 5 de outubro de 1998.

Nair Prata ressalta que não demorou muito para rádios se expandirem (com conteúdo exclusivo ou não) para a internet. Este levantamento aponta que, em 2000, 191 emissoras estavam presentes online.

Apesar deste crescimento, a “primeira era” das webrádios enfrentou barreiras tecnológicas. “No começo dos anos 2000 a internet ainda é uma grande novidade. Os smartphones não existiam e a banda larga começava a dar os primeiros passos, ainda tímidos, era uma fase de transição entre a conexão discada e o acesso rápido”, conta o jornalista e pesquisador Bruno Micheletti.

Bruno Micheletti ressalta que muitas das webrádios criadas na época não duraram muito tempo: “Havia um pensamento, que me parece até um pouco inocente, em achar que a internet era um ambiente democrático que permitia que qualquer um que tivesse uma rádio sem precisar de concessão pública”.

A questão tecnológica limitava, principalmente, o acesso às webrádios. Dados da pesquisa TIC Domicílios apontavam que, em 2005, apenas 9% das pessoas tinham internet em casa e 33% declararam que já haviam acessado a internet. Isso fazia com que a gama de ouvintes potenciais fosse pequena (principalmente em relação ao rádio tradicional).

O acesso via celular, possível apenas com a chegada dos smartphones (o primeiro foi o iPhone, da Apple, em 2007), também aumentou a frequência de acesso as webrádios e streamings. Quinze anos depois, o formato se mostra consolidado.

Uma das rádios online existentes é a Rádio Edison. Voltada a apreciadores do jazz e (como se descreve) “música de qualidade”, a emissora online foi fundada por Edison Silva, que enumera as vantagens e acesso a webrádios.

“O grande diferencial da rádio pela web é que elas funcionam de maneira online e de forma mais simples, pouco importando se o acesso seja fixo ou móvel. Em outras palavras, você pode estar no conforto do seu lar, no trabalho ou até mesmo caminhando pela rua e ouvindo uma rádio de qualquer lugar do planeta, podendo ter acesso aos mesmos programas e conteúdos. Basta você ter uma conexão com a internet. Inclusive utilizar a internet está sendo uma das estratégias das rádios para garantir um maior alcance da audiência, conhecidas assim chamadas de rádio multiplataforma”, conta.

Uma das rádios “tradicionais” que tem se utilizado do formato é a Jovem Pan, que tem se destacado por transmissões no YouTube. No segmento esportes, a rádio tem um canal do YouTube desde 2015. A página tem cerca de 3,4 milhões de seguidores e 1,6 bilhão de visualizações desde então.

Wanderley Nogueira, jornalista e diretor de Esportes da Jovem Pan, cita que a “ida para internet” causou espanto, mas foi bem-sucedida. “Foi um “espanto” para todo mundo naquele momento. O tempo passou e esse recurso é seguido por emissoras de todo o país”, afirma.

PODCAST
O “nascimento” do podcast ocorreu em 2004. Naquele período, as empresas de tecnologia buscavam uma solução para que a questões dos downloads ilegais de produtos fonográficos protegidos por direitos autorais. Uma das iniciativas foi o iTunes, da Apple.

Em 2004, um artigo do jornal The Guardian questionou se o iPod (aparelho da empresa) deveria apenas tocar música ou se poderia pensar em uma linguagem específica. Foi dessa indagação que, de acordo com Marcelo Abud, radialista e professor da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), o ex-VJ da MTV dos EUA Adam Curry cunhou o termo podcast. “Ele foi o responsável por cunhar esse termo e aí desenvolver os primeiros podcasts lá nos EUA”, diz.

Ao contrário do rádio na internet, transmitido ao vivo, o podcast passou a permitir que os ouvintes baixassem um conteúdo e o escutassem no momento em que quisessem. Em um tempo no qual o acesso à web era limitado e as pessoas não estavam 100% do tempo conectadas, era uma saída para se consumir conteúdo. “O podcast traz no seu início, na primeira onda, uma expectativa de uma liberação do ouvinte no sentido de que todo mundo poderia escolher quando e o que iria ouvir”, diz o professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Marcelo Kischinhevsky.

Apesar de ter “nascido em 2004”, o podcast não teve sucesso imediato. Em 2008, o formato teve uma crise e quase foi extinto. Marcelo Kischinhevsky aponta isso ocorreu também pelo formato ter surgido “antes do tempo”. Para ele, por volta de 2013, houve uma nova valorização do formato: Plataformas de financiamento coletivo e principalmente a expansão dos smartphones ajudaram no crescimento.

Mais recentemente, o podcast cresceu mais ainda com a chegada de plataformas especializadas como o Spotify, Deezer e (no Brasil) Globoplay. “Hoje, ele está organizado em torno de grandes plataformas de distribuição, que são fundamentais para a visibilidade de qualquer podcast. A gente tem aí o Spotify como ator dominante no Brasil, a Apple é pioneira no Brasil e também relevante no mercado, e agora novos atores entrando, entre eles, no Brasil, o Globoplay, oferecendo podcasts exclusivos”, completa Marcelo Kischinhevsky.

Para ele, o formato facilita a segmentação de conteúdos via áudio. “O podcast trouxe uma possibilidade muito rica de você ouvir conteúdos que são altamente especializados, que são ultrassegmentados e que muitas vezes não estavam disponíveis no rádio hertziano AM/FM”, afirma.

Não são poucas as opções que os ouvintes têm de podcasts. Há conteúdos voltados à música como o Caipirinha Appreciation Society, que contam a história do Brasil sob uma nova ótica como o Projeto Querino, que debatem temas importantes na sociedade como o Tempo Quente, de ficção e, claro, de conteúdo informativo diário.

Em meio ao boom do formato, há um debate entre especialistas: podcast pode ser considerado rádio? Para Marcelo Kischinhevsky, trata-se, sim, de um formato radiofônico com características próprias. “Não é porque não é feito ao vivo, é um conteúdo sob demanda, ele pode ser ouvido em qualquer local, a qualquer momento, que vai deixar de ser rádio”, afirma.

Marcelo Abud também pensa desta forma. “Eu acredito que para a gente entender se podcast é rádio ou não, vale a reflexão do que é o rádio hoje. O que conta ou não para que seja uma transmissão de rádio é o fato de o som ser a essência deste conteúdo, e o podcast tem por essência o som”, afirma.

Nair Prata também aponta que o som é elemento fundamental que define que podcast é, sim, rádio: “O elemento-chave do rádio continua sendo o som, só que agora com a agregação de novos signos nos campos textual e imagético gerados pela internet. Eu acredito que o conceito de rádio não deve estar atrelado a uma determinada tecnologia, mas que o rádio deve ser pensado como uma determinada proposta de uso social para um conjunto de tecnologias, cristalizada numa instituição”, afirma.

Para Bruno Micheletti, o formato pode se encaixar dentro do que é rádio, mas a discussão ainda está aberta. “Embora eu ainda esteja pesquisando o tema, eu arrisco afirmar que podcast faz parte do rádio, ele tem ali interação com o público, ele tem alguns elementos que caracterizam com a linguagem radiofônica, mas ele se difere na forma de distribuição, e aí ele entra muito na lógica do digital e nessa lógica de distribuição descentralizada”, aponta. “Eu gosto de pensar que podcast talvez não seja rádio, mas o rádio está no podcast”, completa.

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