A voz de 40 mil faces: homenagem a Isaac Bardavid

Nesta terça-feira (1º fevereiro), o ator e dublador faleceu, deixando os fãs tristes; mas fica o legado por ter emprestado sua voz “metálica” a personagens tão diferentes quanto Wolverine, Esqueleto e Tigrão. Leia trechos de uma entrevista publicada em 2021

Wolverine, Esqueleto, Tigrão, Freddy Krueger, Obi-Wan Kenobi, Odin, capitão Haddock… personagens tão diferentes entre si. Mas com algo em comum: a mesma voz (ou timbres). É a voz do dublador e ator Isaac Bardavid.

Para tristeza geral da nação, esse artista se calou nesta terça-feira (1º fevereiro), aos 90 anos de idade, em Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro.

Bardavid estava internado desde o dia 26 de janeiro, em razão de um enfisema pulmonar. Segundo o perfil oficial do artista nas redes sociais, o quadro hospitalar estava controlado, mas o pulmão resolveu parar de oxigenar o corpo.

“Mesmo entubado, mesmo recebendo oxigênio pela máquina, os alvéolos não davam conta de transmitir o oxigênio recebido para o sangue”, diz o post, explicando que o sangue ficou ácido demais e, por conta disso, o coração falhou. Os médicos tentaram reanimação, mas o corpo já estava muito cansado.

Ao longo da minha carreira, dependendo do ator que eu duble ou interprete no teatro, eu tento sempre modificar a minha voz

Assim, Bardavid faleceu, deixando como principal legado sua interpretação em dublagens que marcaram época para diferentes gerações que conheceram desenhos animados, séries e filmes em “versão brasileira”. Uma das dublagens mais famosas com essa voz “metálica” é a do Wolverine, feita desde a época do desenho dos anos de 1990 e imortalizada nos filmes com o ator australiano Hugh Jackman no papel do mutante da Marvel Comics.

Afinal, foram 24 anos de dublagem do personagem, tornando-se a mais memorável entre as mais de 40 mil dublagens que já fez. No dia 6 de março de 2017, chegou a conhecer pessoalmente Jackman.

Talvez pelo timbre grave e com “gosto de metal”, o dublador também emprestou sua voz característica para dois vilões: o aterrorizante Freddy Kruger e o maniqueísta Esqueleto (do desenho “He-Man”).

Já como ator, em mais de 50 anos de carreira Bardavid participou de novelas clássicas como “O Rei dos Ciganos” (1966), “Escrava Isaura” (1975) e “O Cravo e a Rosa” (2000), além dos filmes “Os campeões” (1983), “O escaravelho do Diabo” (2016) e “Histórias assombradas” (2017). Sem contar os programas na TV Globo, com destaque para “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, “Zorra Total” e “Trapalhões”. O último trabalho nessa emissora carioca foi a série “Carcereiros” (2021).

Descendente de uma família judia turca, Bardavid nasceu no dia 13 de fevereiro de 1931 em Niterói. Era formado em direito, mas preferiu seguir a carreira de ator. Foi radioator da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, atuando na série Teatro de Mistério.

Hugh Jackman no papel do mutante Wolverine, em versão brasileira com a voz de Isaac Bardavid (Foto: Reprodução)

ENTREVISTA
Em abril de 2021, a Agência Brasil publicou uma entrevista com Isaac Bardavid. A seguir, os principais trechos.

O tipo da sua voz, inconfundível, te ajudou na sua jornada como ator ou dublador?
Ao longo da minha carreira, dependendo do ator que eu duble ou interprete no teatro, eu tento sempre modificar a minha voz. Por exemplo, na dublagem eu já fiz até voz de mulher. Acredite. Ao contrário do que se pensa, não é a voz que me ajudou. Foram os personagens que me ajudaram a interpretar de acordo com o caráter de cada um, digamos assim.

Como o senhor lida com o fato de ser inevitavelmente associado aos personagens que faz? Ocorre algum “divã” ou terapia entre os personagens e o Isaac?
(risos) Eu acho tudo muito engraçado e muito estranho. Atualmente, todo mundo me associa ao Wolverine. Há 20, 30 anos me associavam ao Esqueleto. Nos anos 60, me associavam a uma série chamada “Bonanza”, onde eu dublava o filho mais velho, o Adam Cartwright. Eu acho isso um fenômeno perfeitamente normal e natural. O Wolverine é, possivelmente, a última coisa de grande sucesso que eu dublei. Porque eu dublei o Wolverine durante 24 anos, desde a época do desenho (X-Men). Hoje me associam ao Wolverine. Mas como eu disse, a coisa vai se esbatendo com o tempo. E daqui a cinco, sete anos, o Wolverine vai cair no esquecimento como todos os outros personagens. O tempo não perdoa.

Há algum dublador dessa nova leva que o senhor admira?
Tem um dublador que eu admiro profundamente que se chama Márcio Simões (voz do Patolino e do Frajola). Tem o Guilherme Briggs (a voz do Superman), o Mauro Ramos (voz do Shrek). Tem o Alexandre Moreno (voz do Pinky, de Pinky e o Cérebro). Tem aos montes. E seria muito difícil pra mim citar todos que eu admiro.

Algum papel que chamou mais atenção na sua trajetória pela complexidade?
Como dificuldade eu vou citar o Tigrão [do desenho animado Ursinho Pooh]. Foi ele, na minha opinião. E eu já dublei entre 40 e 45 mil filmes, não é pouco. Foi muito difícil e eu o dublei por mais de dez, 15 anos.

O que tornava o Tigrão tão difícil?
Porque ele fala muito depressa, com a língua entre os dentes. E, de vez em quando ele soltava um “uhuu!”. Ele tinha uma risada agudíssima, intercalada entre as frases. Eu considero o dublador do Tigrão original, o americano, um gênio. Muito difícil! Ele falava com a língua entre os dentes, sibilando os ‘s’ e cuspindo de vez em quando. Tudo isso para falar com a ligeireza que ele falava, dificulta demais a sua interpretação.

Dá-se uma importância muito maior aos dubladores de animação de fora do Brasil do que aqui. Por quê?
Com certeza. Não só importância, eles enriquecem. Dublador nos Estados Unidos enriquece. Eu dublei durante 62 anos e não sou um homem rico. Eu vivo daquilo que eu faço ainda hoje. A diferença é essa e é brutal.

Tigrão do desenho do ursinho Pooh (Foto: Reprodução)
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