É o que nos sobrou!

“O diálogo e a construção consensual têm sido derrotados por um tensionamento incomum. Haja maturidade e resiliência para conviver neste meio”

Em tempos de pandemia, a leitura de textos filosóficos, considerando as escolhas que temos à disposição, têm me feito muito bem. Trata-se de uma filosofia como um meio sem fim. Não se trata de ler para lecionar ou ler para convencer ou impor ao outro nosso juízo ou até mesmo para publicar algo. Trata-se de uma filosofia que nos completa, que nos qualifica, sobretudo em momentos de incerteza sobre o amanhã e o medo de perder pessoas, sobretudo aqueles e aquelas que já fizeram muito por este mundo.

Por outro lado, quando caímos em tentação e consultamos um pouco as redes sociais e, consequentemente, o que pensam, publicam ou curtem nossos amigos e pessoas mais próximas, sentimos um duro golpe no estômago ao perceber que a verdade perdeu o sabor e a decência e a manipulação quase perfeita ganharam um espaço jamais visto em outro momento. Ora, sabemos que a verdade existe porque nós, humanos, assim concordamos. Mas, em estado de excepcionalidade, a manipulação e a adulteração tomaram conta do que concordamos e aceitamos, quase sempre, e tem marcado muitos gols. Como enfrentar, de igual para igual, este pensamento forte da farsa, da imposição tecnológica e do enxame de imbecis convictos que compartilham desesperadamente porque gostam do que compartilham, sem nenhum julgamento moral?

O diálogo e a construção consensual têm sido derrotados por um tensionamento incomum. Haja maturidade e resiliência para conviver neste meio. Hoje, precisamos para uma boa sobrevivência uma resistência diferente, não como mera oposição, mas sim uma resiliência imunizadora para nossa própria proteção, um novo rearranjo, demonstrando com isso um novo modo de conduta política para tratar de questões econômicas, jurídicas, sociais, políticas. Neste novo mundo polarizado, precisamos ter tática e juízo e usarmos de muita sutileza para continuar nossa sina de humanos, demasiadamente humanos. Corremos o sério risco de uma grande animalização.

Sem contar que o tensionamento disputatio tende a aumentar neste período pré-eleitoral, ouso dar aqui um breve conselho sobre a escolha que faremos, mesmo sabendo que ultimamente muitos têm votado no menos pior ou naquele (a) que cause menos danos. O conselho é: ‘não se esqueça de que no segredo da urna eletrônica, Deus te vê e sabe das consequências deste seu ato’.  Embora este conselho seja apelativo, confesso, não me restou outra alternativa.

De fato, as eleições municipais têm perdido sua importância, afinal, o fazer e o não fazer tem tido pouquíssimas diferenças. A escolha democrática inexiste e os novos gestores, eleitos ou não, perderam completamente o escrúpulo e agem como se não tivessem que dar nenhuma satisfação. Trata-se de um momento mórbido e de grande distanciamento entre governantes e governados.

No fundo, estamos em guerra invisível. Guerra nas redes sociais. Guerra no mercado. Guerra nos relacionamentos. Guerra no debate ideológico. Guerra na educação. Guerra nos direitos humanos. Enfim, estamos em uma tensionamento tão grande que privilegia-se, no tempo presente, “o fazer com o que se tem”. Isto é muito pouco. É trágico. Sem contar que faz tempo que não temos política, somente poder. Investigando as decisões jurídicas e governamentais, as decisões são todas prussianas [vêm pelo alto] e só consideram que ‘a necessidade não tem lei’, ‘a necessidade não reconhece nenhuma lei’, ou ainda, ‘a necessidade cria sua própria lei. Talvez foi por isso que o filósofo espanhol Fernando Savater, em recente entrevista à Folha de São Paulo, sentenciou: “se queremos fazer uma transformação não sangrenta, se queremos fazer uma revolução que não passe por execuções e mortes, o mais parecido com uma revolução não sangrenta é justamente a educação”.

********Claudio Andrade é doutor em História e Sociedade pela Unesp e professor Associado do Departamento de Filosofia da Unicentro; assessor da Rede de Assessores do Cefep/CNBB e presidente da Academia de Letras, Artes e Ciência de Guarapuava

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