Metade dos “alemães” da colônia dá no pé, e os que ficam marcam um golaço

Em época de Copa do Mundo Feminino e Copa América, vale traçar paralelos históricos que ajudam a compreender melhor como o projeto migratório, que redundou na colônia suábia em Entre Rios esteve à beira do colapso

Ao mesmo tempo em que Pelé assombrava o mundo em 1958, como jogador mais jovem a marcar em finais de Copas do Mundo, as primeiras grandes levas de famílias de Suábios reuniam seus pertences e deixavam Entre Rios. Quatro anos mais tarde, quando Garrincha levava a Seleção Brasileira ao segundo título mundial de futebol em sequência, quase a metade das 2.446 Suábios do Danúbio que haviam chegado ao Brasil a partir de 1951, já tinham deixado os campos guarapuavanos, em busca de melhores jogadas em suas vidas.

Em época de Copa do Mundo Feminino e Copa América, vale traçar paralelos históricos que ajudam a compreender melhor como o projeto migratório, que redundou na colônia suábia em Entre Rios esteve à beira do colapso. Como se sabe, tudo começou próximo à Copa do Mundo do Brasil, em 1950. Ou melhor, dez meses após o Maracanaço – quando o Uruguai surpreendeu um público de 200 mil pessoas e conquistou o bicampeonato mundial em pleno Rio de Janeiro. Em maio de 1951, os primeiros 221 Suábios embarcaram ao Brasil. Nos meses seguintes, outras seis embarcações ancoraram no Porto de Santos e trouxeram ao todo 500 famílias suábias de trem a Entre Rios.

Enquanto a lenda Ferenc Puskás e os Mágicos Magiares — como ficou conhecida a célebre seleção da Hungria durante a década de 1950 —, encantavam o mundo, conquistando a medalha de ouro de futebol nas Olimpíadas de Helsinque, em 1952, os Suábios (que por sinal somavam centenas de descendentes de húngaros), construíam conjuntamente, em trabalho comunitário, o sonho de uma nova pátria.

Ocorre que, a partir daí, dois milagres alemães deram uma guinada nessa competição intercontinental. O primeiro, eternizado como Milagre de Berna, ocorreu na Copa de 1954, quando os até então imbatíveis húngaros viram seu sonho máximo esmorecer diante da Alemanha Ocidental na final, com derrota por 3 a 2. No mesmo ano, Entre Rios vivia sua primeira grande crise, com significativas quebras de safras e a queda do seu fundador e presidente da Agrária, Michael Moor — que, sem apoio, renunciou.

Já o Milagre Econômico, pelo qual passava a Alemanha durante as décadas de 1950 e 1960, foi determinante. Dezenas de cartas cruzavam o Atlântico com notícias de que havia emprego à vontade nas empresas e indústrias, graças ao galopante renascimento alemão, ao passo que em Entre Rios não havia a menor perspectiva de recuperação das quebras de safra. Ao mesmo tempo em que vencia a carência de sete anos para o pagamento das dívidas, crescia a insatisfação em relação à ausência de atendimentos sociais básicos, como de saúde e educação.

Além disso, o sonho maior da população suábia, o de voltar a cultivar a terra – desejo este podado com a expulsão dos seus lares durante a Segunda Guerra Mundial – tornava-se um pesadelo. Sem uma sequência de boas safras, as dívidas se acumulavam. Quem conseguiu, vendeu suas terras e bens, juntou o dinheiro necessário e viajou.

O êxodo começou em 1958, quando 25 famílias partiram atrás de melhores oportunidades de vida na Alemanha, Áustria ou mesmo em capitais brasileiras, como Curitiba e São Paulo. O período com maior número de emigrantes ocorreu em 1962, quando 42 famílias de agricultores deixaram Entre Rios. O número começou a reduzir apenas a partir da segunda metade daquela década – ainda assim, partiram 236 famílias, das cerca de 500 que vieram ao Brasil em 1951.

E justamente no ano em que o Brasil realizou sua pior campanha em Copas do Mundo, sendo eliminado ainda na primeira fase, os suábios que permaneceram começaram a ver uma luz no fim do túnel. Com a eleição do então jovem e promissor presidente da Agrária, Mathias Leh, que viria a ocupar o cargo por 28 anos, anunciou-se uma duradoura reforma sociocultural e econômica no distrito, dando início à primeira grande fase dourada de Entre Rios.

Quando Pelé, já aos 29 anos, brilhou pela última vez na Copa de 1970, conquistando o tricampeonato, os Suábios do Danúbio começavam a sentir os resultados do chamado grão de ouro: a cultura da soja. Entre o tri e o tetracampeonato Mundial, Entre Rios saiu de uma comunidade à beira do colapso para ser referência de produção agrária, não só de soja, mas também de cevada, milho e trigo. Muitos que pediram substituição de Entre Rios por outro lugar mais promissor, voltaram. Já os que permaneceram e driblaram os infortúnios com talento e perseverança, marcaram um golaço de resiliência.

 

**********Klaus Pettinger é jornalista, escritor e o autor do romance ‘O Sumiço do Hanomag’. Neste espaço, ele conta semanalmente curiosidades e fatos históricos sobre a colônia suábia de Entre Rios. Para contato com o colunista: [email protected]; Facebook: klauspettinger