Personagem de Ray Liotta circula em ‘máfia de 2ª linha’ no clássico filme ‘Os Bons Companheiros’

Ao contrário de filmes como “O Poderoso Chefão” (1972), essa produção de Scorsese põe em primeiro plano a classe “subalterna” de gângsteres, ou seja, figuras que circulam numa segunda linha de trabalho e importância no universo da máfia

Robert De Niro, Joe Pesci e Martin Scorsese. Esta combinação sempre deu muito certo no cinema. Ainda mais em filmes sobre a máfia. E não apenas o recente “O Irlandês” (2019). Em 1990, o trio participou do clássico “Os Bons Companheiros” (“Goodfellas”, no original).

É preciso acrescentar mais um nome ao grupo: Ray Liotta, ator cujo falecimento foi divulgado nesta quinta-feira (26 mai 2022), aos 67 anos de idade, enquanto dormia na República Dominicana, onde ele trabalhava em um novo filme, “Dangerous Waters”.

Voltando à década de 90, seu personagem (Henry Hill) tem papel fundamental no longa-metragem estrelado por De Niro (na pele de Jimmy Conway) e Pesci (Tommy DeVito), sob a batuta do diretor Scorsese. Afinal, Henry é o narrador e fio condutor da história sobre os meandros da máfia em Nova York.

Ele começa a narrativa contando como começou sua “carreira” no gangsterismo local, aos 11 anos de idade. Logo, Henry se tornou protegido do irlandês James “Jimmy” Conway, um mafioso em ascensão. Tratado como filho por mais de 20 anos, o personagem de Liotta se envolve em golpes cada vez maiores e acaba se casando com Karen Hill (Loraine Bracco). Impossibilitado de ser totalmente “adotado” pela “família”, o jovem ambicioso conquista prestígio, se envolve com o tráfico de drogas, prática grandes roubos e ganha muito dinheiro.

Ao contrário de filmes como “O Poderoso Chefão” (1972), essa produção de Scorsese põe em primeiro plano a classe “subalterna” de gângsteres, ou seja, figuras que circulam numa segunda linha de trabalho e importância no universo da máfia. Henry, Jimmy e Tommy não fazem parte do alto comando das famílias de mafiosos. Eles tentam se virar em busca de um lugar ao sol, trabalhando para chefes como Paul Cicero (Paul Sorvino), o Pauley, uma espécie de capo regional.

Eles são os “goodfellas” do título original, ou seja, wiseguys (malandros). O longa acompanha a carreira dos protagonistas ao longo de várias décadas, com seus altos e baixos, em 145 minutos de duração. Até a derrocada do grupo, que culmina com o envolvimento de Henry com drogas, sua prisão e a “aposentadoria”, virando um “João Ninguém”.

Em 2 de novembro de 1990, o repórter e crítico de cinema Luiz Carlos Merten escreveu para O Estado de S.Paulo que Scorsese havia dito querer seguir um caminho diferente de Francis Ford Coppola e Mario Puzo (diretor e escritor de “O Poderoso Chefão”, respectivamente), que explicaram às massas a relação de poder no topo da organização mafiosa.

“A Máfia de ‘Goodfellas’ é a de ratos-de-rua que Scorsese filma atento não ao grande cerimonial dos poderosos e, sim, aos eventos do cotidiano de seus pequenos personagens”, citando que os “quatro mosqueteiros” do diretor (Henry, Jimmy, Pauley e Tommy) também “podem ser considerados os quatro cavaleiros de um apocalipse que o cineasta localizou no Brooklyn, o bairro nova-iorquino em que nasceu e passou boa parte de sua vida”.

São sicilianos e meio irlandeses que, no fundo, não passam de meros coadjuvantes no mundo onde reinam os Corleone de Coppola. Para tristeza de gente como Tommy DeVito, que não chega nem a ter acesso à verdadeira máfia. “Mas é através dessas figuras – e desse mundo sórdido, violento e vulgar – que Scorsese consegue falar sobre três décadas da vida americana”, afirma Merten.

Henry Hill (Ray Liotta) é o fio condutor do clássico de 1990 (Foto: Reprodução)

LIVRO
O filme de Martin Scorsese é uma adaptação do livro “Wiseguy”, de Nicholas Pileggi. No Brasil, a editora DarkSide lançou em 2020 a versão em português dessa obra (tradução de Carla Madeira), sob o título “Goodfellas – Os Bons Companheiros”.

De maneira geral, é um livro de não ficção publicado originalmente em 1985. Nele, acompanha-se a história de Henry Hill, nascido no Brooklyn, em Nova York, com mãe de origem siciliana e pai de descendência irlandesa, que já aos doze anos passa a integrar uma gangue de mafiosos da vizinhança como garoto de recados. Pileggi reconstrói a vida e trajetória de Hill com o bando controlado pela família Lucchese – considerada a mais poderosa das cinco famílias mafiosas originais da cidade – em detalhes fascinantes e brutais, em uma narrativa permeada de violência, loucuras, golpes e seu conhecido código de honra.

O protagonista esteve envolvido no dia a dia da família mafiosa por quase três décadas, até 1980, quando foi preso sob acusação de tráfico de drogas. Com o risco de encarar uma longa prisão, sem falar na possível execução por seus ex-chefes, Hill entrou para o Programa Federal de Proteção à Testemunha, delatou seus antigos colegas e ajudou a enviar dezenas de pessoas para a prisão. Aproximou-se então do jornalista Nicholas Pileggi, conhecido pelo trabalho de três décadas cobrindo o mundo do crime organizado e da Máfia, para relatar a sua história.

CARREIRA
Segundo o jornal O Globo, em quatro décadas de carreira Ray Liotta teve atuações célebres em filmes como “Totalmente Selvagem” (1986), “Campo dos Sonhos” (1989), “Corina, uma Babá perfeita” (1994).

Nos últimos anos esteve em cena em diversos trabalhos populares como “Os Muitos Santos de Newark” e o filme vencedor do Oscar “História de um Casamento” (2019), de Noah Baumbach.

**********Texto/pesquisa: Cristiano Martinez, especial para www.correiodocidadao.com.br

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