Obra premiada de Ataíde Braz e Flavio Colin ganha nova edição pela Trem Fantasma

Após 30 anos, “Mulher-Diaba no rastro de Lampião” ganha nova edição pela editora Trem Fantasma. Trata-se de uma HQ publicada originalmente em 1994 pela Nova Sampa, com roteiro de Ataíde Braz e desenhos de Flavio Colin (1930-2002), o “Pablo Picasso” dos gibis.

Em janeiro de 2024, a baiana Trem Fantasma relançou esse história em volume de capa dura (formato: 21×28 cm em 64 páginas – preto e branco em papel de alta gramatura) e farto material extra, com artigos sobre o cangaço e a história brasileira, na pena do escritor Robério Santos e do editor Marcello Fontana; biografia dos quadrinistas; acervo fotográfico; algumas páginas do roteiro original; e um breve texto do pesquisador Franco de Rosa, jornalista e lendário editor de quadrinhos.

Aliás, foi nas mãos de Rosa que “Mulher-Diaba…” ganhou luzes no mercado editorial brasileiro. O jornalista era editor da Nova Sampa e essa HQ fez parte do selo “Graphic Brazil n° 1”, em janeiro de 1994, no formato magazine (21 x 27,5 cm), preto e branco/lombada com grampos, conforme consulta da reportagem ao “Guia dos Quadrinhos”.

O gibi de Braz e Colin se passa no sertão nordestino dos anos de 1930, quando uma mulher amaldiçoada persegue seus algozes em busca de vingança. “Uma inimiga que Lampião e seu bando não poderiam vislumbrar sequer em seus piores pesadelos”, como diz a Trem Fantasma.

Em outras palavras, trata-se de uma aventura que envolve o cangaço, bang-bang, conflito social e religiosidade. Como o título entrega, a tal “Mulher-Diaba” reúne forças do além para lutar e derrotar seus inimigos, em busca da vingança contra Virgulino Ferreira, o Lampião, mais célebre cangaceiro da história brasileira.

A protagonista tem o “corpo fechado”, ou seja, nada pode feri-la. “A obra de Ataíde Braz e Flavio Colin mistura terror e aventura, ficção e não-ficção, com uma protagonista mulher, poderosa e porreta, subvertendo um dos gêneros em que a mulher no máximo é retratada como parceira do cangaceiro. Algo atípico não só nos quadrinhos, mas também nos filmes e na literatura”, escreve a editora da nova edição.

O texto de Braz se baseia numa figura histórica, Lampião e seus “cabras”, para criar essa aventura que envolve violência, banditismo, misticismo e vingança. Além, claro, de elementos da cultura popular, da literatura e dos quadrinhos. A famosa arte altamente estilizada de Colin combina bem com o ambiente inóspito e carregado de significados do sertão. É uma HQ que respira brasilidade.

Antes de começar a história propriamente dita, aparece o seguinte trecho:

“Para o homem do sertão, sua honra e palavra

são mais importantes que a sua própria vida.

Por sua honra e palavra, o homem do sertão

mata e protege com a própria vida.

Uma mulher do sertão o faz em dobro.

Pela palavra e pela honra, uma mulher-diaba

está no rastro de Lampião.

Esta é uma lenda nunca antes contada,

e que jamais será esquecida.

Palavra de honra”.

Foto: Reprodução/Trem Fantasma

IMAGINÁRIO POPULAR
No texto da nova edição de “Mulher-Diaba…”, Franco de Rosa recorda que o roteirista Ataíde Braz viu a possibilidade de escrever sobre um tema autenticamente brasileiro com esse gibi. O escritor recorreu ao imaginário popular da região do interior pernambucano onde havia nascido e crescido, até os 11 anos de idade.

“Assim, o roteirista preferiu focar em um tema que lhe fosse mais próximo, para explorar personagens que, acreditava, inspirariam a habitual busca do incansável Flavio Colin pela fidelidade ao tema”, escreve Rosa, destacando que Braz, para escolher o gênero, se inspirou em elementos e criaturas criadas por Colin, tendo em mente principalmente as figuras satânicas e sinistras.

Para quem ainda não leu ou desconhece o material, a história escrita por Braz e desenhada por Colin leva o leitor e a leitora a se chocarem com personagens demoníacos, tudo regado ao contrastante traço em preto e branco do artista. Vade retro!

É preciso lembrar também que Colin teve uma carreira marcada por recriar o sertão, os pampas e o universo do terror. Nos últimos anos, editoras como a Pipoca & Nanquim e a MMarte botaram novamente os gibis de temática aterrorizante desse desenhista no mercado – vide “Terror no Inferno Verde” e “Os estranhos hóspedes do Hotel Nicanor”. A curadoria da obra do artista é a cargo de Ivan Freitas da Costa.

Não por sinal, Braz revela que o diabo dessa HQ de 1994 foi por causa de Colin. “Porque ele desenhava muitos monstros e criaturas nas HQs de terror. ‘Hotel Nicanor’ é uma série muito linda. A inspiração para escrever ‘Mulher-Diaba’ veio do estilo do próprio Colin. É um estilo que tem dinâmica própria, que precisa ser respeitado”, diz o roteirista, citado por Rosa.

Inclusive, o escritor utilizou em “Mulher-Diaba” narrativas de cordel, com rimas para acelerar a história, pois havia apenas 32 páginas para contar toda a aventura.

OBRA PREMIADA
A parceria entre Ataíde Braz e Flavio Colin deu tão certo que “Mulher-Diaba no rastro de Lampião” faturou o Troféu Angelo Agostini de 1994, na categoria Melhor Lançamento Nacional; e dois Troféus HQ Mix de 1994, o “oscar dos quadrinhos brasileiros”: Melhor Desenhista Nacional (Colin) e Melhor Graphic Novel Nacional.

PUBLICAÇÕES
O trabalho de Colin também pode ser conferido em edições recentes, publicadas por outras casas editoriais: “Estórias Gerais” (Conrad), “O Boi das Aspas de Ouro” (Skript), “A Guerra dos Farrapos” (Comix Zone), “Fawcett” (Comix Zone), “Aventuras do Anjo” (Figura).