História de Kadu Lambach preenche uma lacuna vazia na Legião Urbana, diz autor de livro sobre 1º guitarrista da banda

Escrito por André Molina, livro “Música Urbana: O Início de uma Legião” joga luz sobre a trajetória do primeiro guitarrista da Legião Urbana, banda surgida nos anos de 1980. O instrumentista saiu do projeto antes da gravação dos discos e do sucesso subsequente; mas ele marcou seu nome na formação embrionária

No início, era Brasília. Sozinha, em meio ao planalto central. Mas começaram a chegar levas de famílias. Os adolescentes não tinham muito o que fazer. A não ser tocar um instrumento e aprender. Ter atitude e se vestir como punks.

Assim, na virada dos anos de 1970 para os 80, surgiram bandas que consolidaram o chamado Rock de Brasília: Aborto Elétrico, Plebe Rude, Capital Inicial, Legião Urbana.

Aliás, a Legião é a mais adorada e emblemática da cena. Renato Russo, Dado Villa-Lobos, Renato Rocha (Negrete) e Marcelo Bonfá são os nomes conhecidos da formação que entrou em estúdio na década oitentista. Mas antes do sucesso fonográfico, Russo e Bonfá tinham a companhia de Paulo Paulista e Eduardo Paraná na primeira montagem da banda. Isso é algo que pouca gente sabe.

Ou melhor, sabia. É que com o lançamento ao final de 2021 do livro independente “Música Urbana: o início de uma legião. A origem com Eduardo Paraná (Kadu Lambach)” – à venda no site https://eduardoparana.com.br/ -, do jornalista André Luiz Molina, o público tomou conhecimento dos bastidores dessa fase embrionária da Legião, quando o cara das seis cordas era Kadu Lambach, mais conhecido como Eduardo Paraná nos anos 80.

Curitibano, o então adolescente Kadu acompanhou a família ao final dos anos de 1970 na mudança para Brasília. Na Capital Federal, ele conheceu a turma dos punks e Renato Russo, que virou amigo e parceiro musical. Juntos, fundaram a Legião Urbana; mas divergências de estilo levaram Paraná (um exímio instrumentista) a sair do projeto antes da gravação do primeiro disco.

Toda essa história legionária está narrada em detalhes em “Música Urbana: o início de uma Legião”. Entre os materiais inéditos, estão o primeiro texto de divulgação da banda, escrito por Renato Russo, no início da década de 80, e a letra da primeira música da Legião Urbana, que não chegou a ser concluída.

Para saber mais detalhes, o CORREIO conversou com Molina. A seguir, os principais trechos.

André Molina e Kadu Lambach em visita recente a Brasília para lançar o livro (Foto: Arquivo Pessoal/Molina)

Percebi que a narrativa abre e fecha um ciclo: a presença do Kadu nas origens da Legião, seu caminho próprio na música instrumental e depois a volta. É como se ele “prestasse contas” com o passado, reconhecendo sua passagem de legionário. Desde o começo, esse era o projeto do livro, ou seja, seguir essa linha?
Na verdade, esse processo não foi idealizado. A narrativa se construiu de maneira natural por meio das entrevistas semanais que eu realizava com o Kadu. Na trajetória dele foi realmente assim. Quando ingressou na carreira instrumental e foi estudar música, ele se desfocou totalmente da história da Legião Urbana. Foi com o passar do tempo, que a história da Legião retornava, com fãs, amigos da época, que sempre questionavam sobre aquele período inicial do rock de Brasília. Quando comecei o livro, não tinha uma ideia totalmente consolidada. Foi mais a ansiedade de relatar os primeiros anos da Legião e revelar o documento com os primeiros escritos do Renato Russo e a canção inédita que estava guardada com o Kadu.

Em termos de estrutura, a obra é feita de tópicos (ou “minicapítulos”). Como você pensou nessa espinha dorsal? Você aproveita bastante as falas do Kadu, como numa entrevista.
A divisão em “minicapítulos” também foi algo natural. Durante alguns anos trabalhei em um jornal onde fazia pequenas notas para uma coluna política. Achei que poderia utilizar esta estética para o livro e transformar a entrevista do Kadu em uma grande reportagem. Não pensava que estava escrevendo um livro, e sim uma reportagem. O resultado do livro foi a consequência. As entrevistas aconteciam em uma rotina de um encontro semanal de duas horas. Nos demais dias da semana, utilizava as noites para escrever e editar, ouvindo a discografia da Legião Urbana e do rock de Brasília para contextualizar.

Achei interessante também que, ao invés de fotos, o projeto gráfico do livro trabalha com ilustrações. Como vocês pensaram nisso?
Inicialmente só pensamos em utilizar a ilustração na capa. Conhecemos a artista Ivana Lima, que é especialista em gravuras. E ela sugeriu que poderia utilizar todas as fotos originais que seriam colocadas no livro para realizar gravuras. No começo achamos meio estranho, mas deixamos ela a vontade para criar e ver o resultado. E gostamos bastante. Combinou bastante com a estética punk do fanzine do início da década de 1980. Por isso que digo, sempre que o trabalho em conjunto é com um artista, tem que dar total liberdade para a criação. Eles chegam a lugares que dificilmente imaginámos.

Um fato externo ao livro é de que ele ficou pronto e aguardou à espera de seu lançamento. Por que isso ocorreu? Tudo o que envolve a Legião Urbana corre o risco de enfrentar algum imbróglio judicial?
A parte “bruta” do livro ficou pronta acho que em 2014, nem lembro bem. Mas queríamos lançar o livro em um grande projeto. Com uma produção de arte legal, assessoria de marketing, de revisão, edição, produção cultural. E para isso teríamos que conseguir um patrocínio bacana para conseguir levar uma produção independente para todo Brasil, aos fãs. Já que não teríamos apoio e parceria de uma grande editora. Felizmente, demorou mas conseguimos bons patrocinadores para tornar o projeto realidade. E fora isso, tivemos alguns transtornos com uma editora no início do processo, por fazermos um contrato ruim. Depois que resolvemos a questão, decidimos não utilizar editora nenhuma e publicar o livro de maneira independente, com uma equipe qualificada, de artistas, produtores, assessoria de comunicação e jurídica.

Pelo relato no livro, Kadu criou uma relação bastante próxima com o Giuliano Manfredini, filho do Renato Russo. Bem diferente de Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, que têm um contato bastante complicado com o Giuliano, envolvendo disputa nos tribunais. O Dado ou o Marcelo tiveram uma boa recepção ao livro, depois de pronto? Ou você não sabe a reação de ambos?
Não sei sobre a reação deles. Não tivemos nenhum contato. Sobre o Giuliano Manfredini, fomos ao Rio de Janeiro há alguns anos para ele saber sobre o livro. Ele leu, disse que gostou e disse não existir nenhum problema para publicarmos. Legal dizer também, que o livro conta com o prefácio da irmã do Renato Russo, Carmem Manfredini, que desde o início do processo foi super amiga nossa. Já participou de vários eventos de divulgação e lançamento do livro em Curitiba e Brasília. Uma pessoa super preocupada com a manutenção do legado da obra do irmão.

Por que a história do Kadu ficou tanto tempo na obscuridade? Afinal, ele estava lá, antes da Legião ficar famosa. Quando você conheceu essa história?
Uma pergunta difícil. Mas vou tentar responder. Primeiro, acho que porque sempre foi construída uma narrativa pelos outros ex-integrantes de que a Legião oficial era com Renato, Dado, Bonfá e Negrete. A formação que aparece nos álbuns. O que é relativamente normal. Só os mais fanáticos que vão correr atrás da história dos primórdios e ver que tem o Eduardo Paraná, o Paulo Paulista e o Ico Ouro Preto. E foi justamente como jornalista, que pensei que poderia chamar para mim a missão de oficializar e revelar esta história com detalhes para as pessoas. Quem ouve Legião, entra em contato com esta história em algumas raras publicações e de maneira pouco detalhada, algo quase como uma lenda.
Após a publicação do meu primeiro livro, “O Divã do Rock Brasileiro”, em que entrevistei o Kadu pela primeira vez, para um capítulo sobre a Legião, ele acabou me convidando para registrar a história dele na fundação da Legião Urbana. E questionou se a história valia um livro. Falei que sim. Que a história dele preenchia uma lacuna vazia na história da Legião.

O livro foi lançado ao final de 2021? Como tem sido a recepção do público e a turnê de divulgação?
Apesar de hoje em dia não ser muito fácil para divulgar e a internet ser um meio bem congestionado e dominado por poucas empresas, estamos conseguindo fazer um bom lançamento por onde passamos. A comunidade de fãs da Legião Urbana é muito grande. Sem editora e, de maneira independente, conseguimos levar nosso livro para todo o Brasil pelo correio. Temos o site eduardoparana.com.br que é onde vendemos. E participamos de feiras de vinil, lançamentos em espaços culturais e bares. A Biblioteca Pública do Paraná fez um grande lançamento e vai distribuir exemplares para as bibliotecas municipais do estado, em uma ação de contrapartida social. O que é muito legal! Já fomos para algumas cidades do Paraná, Brasília e, após a pandemia diminuir, temos uma programação que inclui São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Brasília novamente.

Obra é fruto de mais de 13 meses de entrevistas e produção (Foto: Divulgação)

Você conheceu Brasília. Como é visitar a cidade que legou bandas dos anos 80 como Capital Inicial, Aborto Elétrico, Plebe Rude e Legião?
Em Brasília foi maravilhoso. Lá a cidade respira o rock nacional. A Secretaria de Turismo do Distrito Federal nos apresentou a Rota do Rock de Brasília que expõe a história do rock nacional, os lugares em que Aborto Elétrico, Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude começaram. O Governo recebeu nosso livro e o considerou parte do Acervo Cultural do rock de Brasília. Vai ser exposto em um Museu, em que estão fazendo. Fomos muito bem recebidos pelos principais veículos de comunicação. O Kadu Lambach se apresentou na Feira de Artesanato para 5 mil pessoas em um grande show com a Plebe Rude e fizemos alguns shows de lançamento também.

E você já tem projetos futuros de novos livros?
Então. Como estamos totalmente dedicados na divulgação e lançamento do livro, é meio difícil pensar em um novo projeto. Mas ideias sempre temos. Quando fui para Brasília, bandas fizeram contato apresentando ideias para manter esse trabalho de pesquisa e registro de obras do rock brasiliense, que se perderam no tempo. Depois de finalizarmos esse processo de divulgação, desejo voltar a estudar e garimpar o rock de Brasília para fazer novas publicações.

*********Reportagem: Cristiano Martinez, especial para CORREIO

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