Ensaio: ‘Pessoas brilhantes e felizes de mãos dadas’ na faixa ‘Shiny Happy People’ (R.E.M.)

Em 1991, a banda norte-americana fez história ao lançar “Out of time”, um álbum de estúdio que tem faixas como “Losing my religion”, verdadeira obra-prima existencialista do pop/rock. Mas também apresenta a doce e colorida “Shiny Happy People”

Lançado há mais de 30 anos, “Out of time” (1991) se tornou um dos maiores sucessos da música pop vendendo 18 milhões de discos ao redor do mundo. É um álbum de estúdio produzido pelo R.E.M., num momento de transição.

O quarteto (Michael Stipe, Peter Buck, Mike Mills e Bill Berry) superava o circuito indie universitário para se tornar uma banda major. A mudança de patamar foi puxada principalmente pelo hit “Losing my religion”, tocado à exaustão, graças ao clipe na MTV (naquela época, isso fazia diferença).

No entanto, “Out of time” também marcou a experimentação sonora do R.E.M. Esse sétimo disco na carreira da banda apostou em instrumentos pouco convencionais ao rock, caso de bandolim, órgão e violão, só para ficar num exemplo do trabalho do quarteto. Em suma, um LP conceitual que estourou em termos de popularidade e interesse da crítica.

Mas, nesse universo experimental, uma das faixas parecia destoar do restante. Abrindo o lado B do vinil, “Shiny Happy People” era um verdadeiro delírio colorido, com um refrão que dizia o seguinte: “Shiny happy people holding hands/Shiny happy people laughing”. Em tradução livre, é algo como “Pessoas brilhantes e felizes de mãos dadas/Pessoas brilhantes e felizes dando risada”.

Ou ainda do trecho “Encontrem-me na multidão/Pessoas, pessoas/Espalhem seu amor por aí/Me amem, me amem”. Sem contar o clipe dançante, simples (praticamente tosco) e ingênuo que tem a presença da cantora Kate Pierson, da banda The B-52’s. Ela também participou da gravação da faixa no disco.

É totalmente oposto aos versos existenciais “Aquele sou eu no canto/Aquele sou eu sob os holofotes/Perdendo minha religião/Tentando te acompanhar/E eu não sei se eu consigo fazer isso” de “Losing my religion” (“perdendo minha religião”), em versão traduzida.

Olhando assim, parece até que o R.E.M. “errou” ao inserir “Shiny Happy People” em um disco tão conceitual e maduro quanto “Out of time”. E detalhe: à exceção de Peter Buck, os demais integrantes do R.E.M. se sentiam constrangidos por essa música.

Mas só parece bobinha. Segundo o jornalista Ricardo Alexandre, em seu podcast “Discoteca Básica”, o verso “Shiny happy people holding hands” (algo como “pessoas brilhantes e felizes de mãos dadas”) foi tirado de um cartaz de propaganda do governo chinês feito logo depois do massacre na Praça da Paz Celestial de 1989. “Ou seja, definitivamente não tem nada de bobinho nem ingênuo”, diz o apresentador.

Para quem não sabe, esse episódio histórico se passou no dia 4 de junho de 1989, quando a China encerrou de forma brutal o protesto em massa por liberdade e democracia na Praça da Paz Celestial (Tiananmen). A violência militar resultou em centenas de mortos e milhares de feridos.

STREAMING

Além das mídias físicas do CD, LP e K7 (hoje mais comuns de serem encontradas em sebos e lojas de nicho), o álbum “Out of time” está disponível nas plataformas digitais.

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