Clássico da literatura, ‘Menino de engenho’ completa 90 anos

Livro de estreia de José Lins do Rego, “Menino de engenho” completa 90 anos de sua primeira edição, lançada em 1932 às custas do próprio autor. Essa obra inaugurou o “Ciclo da cana-de-açúcar” na carreira do escritor paraibano, tematizando a decadência da economia em torno do engenho nordestino

Três dias após uma tragédia familiar (o assassinato de sua mãe), o menino Carlinhos, de apenas 4 anos de idade, sai do Recife para morar no engenho do avô materno Cel. José Paulino, no interior. Um mundo novo se abria para o personagem. E principalmente para o leitor.

Em 1932, o escritor José Lins do Rego (1901-1957) estreava no mercado de livros com essa história narrada em 1ª pessoa na obra “Menino de engenho”. Portanto, há 90 anos o público tomava conhecimento das tristezas e alegrias do jovem protagonista.

Ao longo de 40 capítulos, Carlinhos relata a experiência vivida no universo rural de um engenho nordestino, ou seja, daquelas antigas estruturas utilizadas para a moagem da cana-de-açúcar e que movimentaram a economia do Brasil durante período histórico.

Não à toa, o próprio Zé Lins chamou seus primeiros livros publicados nos anos de 1930 de “Ciclo da cana-de-açúcar”, nesta ordem: “Menino de engenho” (1932), “Doidinho” (1933), “Bangüê” (1934), “Moleque Ricardo” e “Usina” (1936). Em 1943, “Fogo morto” retomaria o tema, mas sob uma chave de leitura madura e simbólica.

“A história desses livros é bem simples: – comecei querendo apenas escrever umas memórias que fossem as de todos os meninos criados nas casas-grandes dos engenhos nordestinos. Seria apenas um pedaço de vida o que eu queria contar. Sucede, porém, que um romancista é muitas vezes o instrumento apenas de forças que se acham escondidas no seu interior”, escreveu no prefácio do livro “Usina”.

Por isso, o conjunto das obras apresenta o desmoronamento de uma sociedade rural escravocrata, aristocratizante e fundiária. O ponto de partida é, claro, “Menino de engenho”, quando o leitor acompanha o desabrochar de Carlinhos, que chega ao engenho Santa Rosa com 4 anos e sai para o internato aos 12, tendo vivido uma série de aventuras.

Os capítulos são compostos de quadros, flagras da nova vida do personagem no interior: a viagem de trem, a chegada ao engenho, a tia Maria, o avô, os primos, a enchente, o incêndio, o cangaceiro Antônio Silvino, o lobisomem, as histórias da velha Totonha, o banho de rio, a iniciação sexual, entre outros momentos.

O próprio Zé Lins vem de uma realidade próxima do narrador desse livro. O escritor nasceu em 1901, no engenho Corredor, município de Pilar, na Paraíba.

Mas foi em Maceió, Alagoas, anos depois, que o autor começou a fazer parte do grupo de Graciliano Ramos, Rachel de Queirós, Aurélio Buarque de Holanda, Jorge de Lima, Valdemar Cavalcanti, entre outros. “E foi ainda em Maceió que Lins do Rego escreveu seu primeiro livro – ‘Menino de engenho’ -, chave de uma obra que se revelou de importância fundamental na história do moderno romance brasileiro”, diz Wilson Lousada, em texto de apresentação da 41ª edição de “Menino de engenho”, pela editora Nova Fronteira, em 1988.

O crítico Tristão de Athayde classificou essa turma de escritores (que teria ainda Gilberto Freyre, Jorge Amado etc.) de “grupo nordestino”, que veio dar ao “Modernismo o novo alento com que se consagraria, já agora, como sucessor das grandes escolas do passado”, no texto “Zé Lins” de 1957.

Walter Lima Jr. adaptou o livro em 1966 para o cinema (Foto: Reprodução)

MEMÓRIA
No livro “História da Literatura Brasileira” (9ª edição, ed. Bertrand Brasil, 1995), Nelson Werneck Sodré observa que José Lins do Rego acrescenta – com “Menino de engenho”, “Doidinho” e “Bangüê” – uma nota nova ao “romance documentário e libelista nordestino”, ao mesmo tempo que lhe incorpora a paisagem canavieira, “com uma sentida nostalgia que busca na memória profunda a fonte de suas criações” (p. 554).

Mas o historiador é duro ao apontar a fragilidade estrutural da ficção de Zé Lins, sobretudo o estilo repetitivo para gravar no leitor aquilo que está gravado na lembrança do escritor, um contador de histórias. “Não há imaginação, mas recordação”, diz Sodré.

“Enquanto evocações, realmente, as descrições de José Lins do Rego ganham em força, elas nos chegam carregadas de cor e às vezes de poesia, particularmente no livro de estreia. Quando se trata de adicionar ao mundo vivido, que ele revive com mestria, aquilo que é a contribuição do ficcionista, a sua marca de criador, o nível desaba” (p. 554).

EDIÇÕES
Segundo Zé Lins, em artigo de jornal, “Menino de engenho” foi recusado por todos os editores nacionais, sendo finalmente publicado depois por uma editora desconhecida e com dinheiro do escritor. Para felicidade geral, a edição se esgotou em três meses. Uma tiragem de 2 mil exemplares foi quase toda vendida no Rio de Janeiro.

A estreia ganhou elogios da crítica e prêmios. A partir de “Bangüê”, em 1934, os livros do autor paraibano passaram a ser publicados pela Livraria José Olympio Editora, casa que marcou história no mercado editorial do país.

Aliás, na antiga casa fundada por José Olympio o livro de estreia de Zé Lins beirou 100 edições, o que é verdadeiro fenômeno para o contexto brasileiro.

Atualmente, “Menino de engenho” (e outros livros do “Ciclo da cana-de-açúcar”) é publicado pela Global em novo projeto gráfico.

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