Arquivos Culturais: documentário revela as filmagens turbulentas e caóticas de ‘Apocalypse Now’
Clássico do cinema hollywoodiano, “Apocalypse Now” tem uma história turbulenta de produção. Seu diretor Francis Ford Coppola foi à loucura para conseguir filmar esse filme baseado no livro “O coração das trevas”. Todo esse processo está documentado em “Francis Ford Coppola – O apocalipse de um cineasta”, disponível em dois serviços de streaming para o público brasileiro
Se Francis Ford Coppola tivesse dirigido apenas “O poderoso chefão” (1972), já seria uma grande contribuição para o cinema. Afinal, é um dos grandes clássicos de Hollywood, repleto de cenas que se tornaram icônicas. Inclusive, o filme completou 50 anos em 2022.
Mas Coppola fez também “Apocalypse Now” (1979), obra-prima sobre a Guerra do Vietnã. Delírio para os espectadores, pesadelo para seu diretor.
No Festival de Cannes de 1979, Coppola resumiu os bastidores de “Apocalypse Now”. “Meu filme não é um filme. Meu filme não é sobre o Vietnã. Ele ‘é’ o Vietnã. É como foi. Uma loucura. E nós o fizemos do modo como os americanos estavam no Vietnã. Estávamos na selva. Éramos muito. Tínhamos acesso a muito dinheiro, muito equipamento e, pouco a pouco, ficamos loucos”.
Aliás, esse trecho da entrevista abre o documentário “Francis Ford Coppola – O apocalipse de um cineasta” (“Hearts of Darkness: A Filmmaker’s Apocalypse”, título original), filme norte-americano de 1991 disponível para o público brasileiro nos serviços de streaming Mubi e Belas Artes à La Carte.
A esposa de Coppola, Eleanor, acompanhou e registrou os 238 dias de filmagem. A diretora entregou as imagens de making of aos cineastas Fax Bahr e George Hickenlooper para ajudá-la a transformar tudo em um documentário coeso. Para isso, Bahr e Hickenlooper gravaram novas entrevistas com os membros do elenco e da unidade de produção, que eles mesclaram com o material existente.
Assim, o documentário passou um ano sendo editado e ganhou o Emmy de Melhor Direção e Melhor Edição. Mais do que isso, entrou para a história como um dos melhores registros dos bastidores de um clássico do cinema.
Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, de 14 de dezembro de 1994, Eleanor teve a impressão de enlouquecer durante as tumultuadas gravações de “Apocalypse Now”. “Eleanor via, entre fascinada e horrorizada, como ele [Francis] se transformava aos poucos em Kurtz, o personagem que representa a loucura e a megalomania da guerra”, diz o texto assinado por Luiz Carlos Merten.
O cineasta tinha medo, pois queria ousar e temia o fracasso.
TRAJETÓRIA
Como todos sabem, o longa-metragem “Apocalypse Now” é baseado no livro “O coração das trevas”, de Joseph Conrad. No original, é a história da viagem de um capitão no Rio Congo a procura de Kurtz, um mercador de marfim. Homem de ideais, Kurtz quer educar os nativos; mas sucumbe às tentações da selva e enlouquece.
Mas antes de Francis Ford Coppola se aventurar no projeto, outro diretor famoso, Orson Welles, planejou a adaptação da obra literária em 1939. Seria sua estreia no cinema. Ele chegou a fazer testes no papel de Kurtz. No entanto, o estúdio desistiu da produção por causa do custo e, adivinha, Welles foi fazer “Cidadão Kane” (1941), divisor de águas do cinema hollywoodiano.
Passadas algumas décadas, Coppola funda sua produtora em 1969, a American Zoetrope. Um dos projetos era “Apocalypse Now”, um filme que transporta a essência de “O coração das trevas” para a Guerra do Vietnã. No filme, o Cap. Willard tem a missão de matar Kurtz que, louco, conduz a guerra como bem entende no Camboja.
A ideia inicial era que George Lucas dirigiria o roteiro de John Milius. Porém, o projeto não foi para frente, obrigando Coppola a esperar mais um pouco. Enquanto isso, ele fez, adivinha, “O poderoso chefão” (partes 1 e 2), ganhando oito estatuetas do Oscar e tornando-se milionário.
Finalmente, em 1975, a Zoetrope renasce e aquele filme de guerra baseado no livro de Conrad é o primeiro projeto da fila. Com “Apocalypse Now” orçado em US$ 13 milhões, Coppola quis ele mesmo bancar o projeto do próprio bolso, usando os bens da família como garantia. Desse modo, teria mais controle criativo e, se estourasse o orçamento, o problema era dele. Mal sabia o que vinha pela frente.
PROBLEMAS
Coppola levou toda a família (incluindo, claro, a pequena Sofia, futura diretora de talento) para as filmagens nas Filipinas em fevereiro de 1976, país escolhido pela semelhança com o Vietnã. O diretor também fez acordo com o presidente filipino Ferdinand Marcos para uso da frota de helicópteros. O problema é que a todo momento a força aérea sumia, interrompendo por horas as filmagens.
A princípio, Harvey Keitel faria o papel de Willard. Mas Coppola não gostou e chamou Martin Sheen (36 anos), que se sentia velho e fora de forma. Este teve um enfarto e quase morreu.
Por sua vez, Dennis Hopper estava pra lá de Bagdá, totalmente chapado, alucinado. Ele não conseguia decorar as falas e, obviamente, o diretor ficou uma arara.
Ainda sobre o elenco, a estrela Marlon Brando (o Don Corleone de “O poderoso chefão”) deu problema. Ele embolsou US$ 1 milhão adiantado e não queria mais participar da produção, pois as filmagens haviam extrapolado o prazo. Fora que estava acima do peso e não tenha lido “O coração das trevas”.
E, para completar, um tufão arrasou com o set, obrigando Coppola e família a se afastaram do trabalho até a equipe consertar tudo.