À sombra do vampiro: 100 anos de ‘Nosferatu’

Há 100 anos, nascia um filme que se tornaria um clássico do cinema ocidental: “Nosferatu – Uma sinfonia de horror” (1922). Dirigido por F.W. Murnau, esse longa-metragem conta a história do Conde Orlok, uma figura retorcida e assustadora que se alimenta de sangue

Pode parecer que não. Mas se hoje você curte um bom filme de vampiro (seja com Drácula, seja com Edward Cullen), deve agradecer ao expressionismo alemão.

Tudo porque, a 15 de março de 1922, o público em geral conhecia “Nosferatu – Uma sinfonia de horror”, longa-metragem de F.W. Murnau (1888-1931) que apresentava a história do Conde Orlok, um vampiro assustador. O personagem não tinha o mesmo charme e sedução das figuras da noite que vieram décadas depois, mas continua sendo até hoje uma referência para o gênero do horror na Sétima Arte.

Nesta semana, esse filme completou 100 anos de seu lançamento. Com seu contraste de luz e sombras, instaurava o medo e dava forma ao tormento humano, bem ao estilo expressionista (vide “O Gabinete do Dr. Caligari”, de 1920).

A figura careca, de unhas disformes, dentes proeminentes e orelhas pontudas de Orlok é retorcida, assustadora e atormentada. Sua sombra percorre os cantos do castelo, onde ele vive em cenários escuros e perigosos, verdadeiras armadilhas para a eclosão do medo mais primitivo do ser humano.

Baseado no livro “Drácula” (1897), de Bram Stoker, “Nosferatu” começa com Hutter (Gustav von Wangenheim), um agente imobiliário. Ele precisa viajar até os Montes Cárpatos para vender um castelo no Mar Báltico cujo proprietário é o excêntrico Orlok. Este, na verdade, é um milenar vampiro que, buscando poder, se muda para Bremen, Alemanha, espalhando o terror na região. Curiosamente quem pode reverter esta situação é Ellen (Greta Schröder), a esposa de Hutter, pois Orlok está atraído por ela.

Como se pode notar, essa adaptação tomou certa liberdade poética e mudou o nome das personagens, com o objetivo de não pagar os direitos autorais à época. Mas o espólio de Stoker entrou na Justiça para destruir as cópias do filme. Mais do que rápidos, os produtores conseguiram salvar alguns rolos que foram enviados para o exterior.

Desse modo, criou-se uma aura cult em torno da obra-prima de Murnau. Apesar da caracterização específica de seu vampiro (bem diferente daquela imagem consagrada posteriormente em produções com Bela Lugosi, Christopher Lee e Gary Oldman), virou referência para filmes sombrios de terror e, principalmente, para o imaginário em torno do personagem sugador de sangue.

Em tempo: essa versão expressionista não é a primeira adaptação cinematográfica de “Drácula”, como se pensava antigamente. Segundo matéria assinada por Leonardo Sanchez, para o jornal Folha de S.Paulo, houve um antecessor que não sobreviveu à passagem do tempo.

Conde Orlok é uma figura retorcida e assustadora (Foto: Reprodução)

INFLUÊNCIAS
Em 1979, outro diretor alemão, Werner Herzog, retomou a figura criada por F.W. Murnau para uma nova versão de “Drácula”.

Sob o nome “Nosferatu – O Vampiro da Noite”, o longa-metragem setentista reconta a história do agente imobiliário (agora, com o nome Jonathan Harker), que viaja até a Transilvânia para fazer um negócio, ignorando o mau presságio de sua esposa Lucy. Ele visita o castelo do Conde Drácula e acaba se tornando prisioneiro deste.

“Num clima de pesadelo, alucinação, completa e irremediável loucura, os personagens desta melancólica tragédia – em que não faltam, entretanto, sutis lances de humor negro – arrastam pela tela sua perplexidade diante de relações jamais compreendidas inteiramente”, avaliou Luiz Fernando Emediato, para o jornal O Estado de S.Paulo (de 26 de setembro de 1986).

O ator que dá forma ao vampiro é Klaus Kinski (1926-1991), parceiro de longa data de Herzog em obras como “Aguirre, a Cólera dos Deuses” (1972) e “Fitzcarraldo” (1982). Kinski era ao mesmo tempo genial e atormentado.

Décadas mais tarde, o diretor E. Elias Merhige partiu de uma premissa interessante em seu longa “A sombra do vampiro” (2001): e se o ator Max Schreck (aquele do “Nosferatu” de 1922) fosse realmente um vampiro de verdade?

Para provar essa “teoria”, Merhige convocou Willem Dafoe e John Malkovich para darem vida a Schreck e Murnau, respectivamente, em sua versão ficcional dos bastidores de produção do clássico do expressionismo alemão.

“O Murnau de Malkovich é um cineasta consumido pela obsessão de contar a saga de Drácula. Para isso, acaba fazendo um pacto faustiano com sua estrela, um verdadeiro vampiro importado da Transilvânia. Schreck estrelará a produção em troca do pescoço da beldade, a atriz Greta Schroeder (interpretada pela inglesa Catherine McCormack)”, escreveu Marcelo Bernardes para O Estado de S.Paulo (16 de novembro de 2001).

E, em clima de “terrir” (mistura de terror com humor), o diretor brasileiro Ivan Cardoso elaborou uma versão sui generis: “Nosferato no Brasil” (1970) – com “o”. Feito em Super 8, mostra um insólito Nosferatu (papel de Torquato Neto) em terras brasileiras.

SERVIÇO
O centenário filme “Nosferatu – Uma sinfonia de horror” (1922, duração de 91 minutos), em domínio público, pode ser assistido gratuitamente no YouTube (link: https://bit.ly/3Ik05rq) ou pela plataforma NetMovies (www.netmovies.com.br/).

************Reportagem: Cristiano Martinez, especial para correiodocidadao.com.br

https://youtu.be/SWEuP1OGx6A
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