35 anos sem Sergio Leone

Famoso pela Trilogia dos Dólares nos anos de 1960, diretor italiano morreu em 30 de abril de 1989, em Roma. Ele entrou para a história com sua visão única do faroeste, legando personagens duelistas, solitários e niilistas

A história do cinema ocidental é feita principalmente do cinema hollywoodiano e do europeu. Nestes dois polos territoriais, surgiram diretores como Martin Scorsese, John Hughes, Francis Ford Coppola, Federico Fellini, John Ford, Jean-Luc Godard… e um certo Sergio Leone, cuja cinematografia atravessou fronteiras e o tempo.

Nascido em Roma (Itália), em 1929, Leone faleceu aos 60 anos de idade em 30 de abril de 1989, em sua casa nessa mesma cidade, vítima de um ataque cardíaco. Portanto, nesta terça-feira (30) se completam 35 anos de sua morte.

Ao longo de sua carreira, esse cineasta romano produziu poucos filmes, assinando apenas com seu nome, sem codireção. Apenas sete longas-metragens. Mas foi o suficiente para deixar sua marca.

Principalmente nos chamados “western spaghetti”, ou seja, na versão italianada do gênero mais norte-americano de todos os tempos, o western, que é também conhecido como faroeste e “bang-bang” no Brasil.

Nos anos de 1964/65/66, Leone fez a Trilogia dos Dólares, composta pelas produções “Por um punhado de dólares”, “Por uns dólares a mais” e “Três homens em conflito” (ou “O bom, o mau e o feio”). Eram produções com baixo orçamento, em locações europeias.

Em comum, todas protagonizadas pelo então desconhecido ator Clint Eastwood, no papel do pistoleiro solitário, sem nome. Os personagens desses longas são duelistas, niilistas, lacônicos.

Mas, claro, o que fez o delírio do público foi a assinatura leoniana: enquadramentos asfixiantes, distensão do tempo e a trilha sonora de Ennio Morricone (1928-2020), que soube como poucos captar o ritmo, o vento e a poeira do Oeste inóspito em suas composições feitas de sons dissonantes e instrumentos inusitados. Aliás, a parceria com o maestro seguiu na carreira de Leone, tornando o fundo instrumental (e vocal) outro personagem em cena.

Ao mesmo tempo que esse cineasta romano era reverente ao faroeste de John Ford e Howard Hawks, ele era iconoclasta e subversivo na sua visão do gênero.

O ápice de sua produção viria com “Era uma vez no Oeste” (1968), obra-prima estrelada por Charles Bronson, Henry Fonda, Claudia Cardinale e Jason Hobards. A narrativa de “bang-bang à italiana” encontrou seu tempo fabular, examinando a mudança de tempos, de estilo, num contexto pré-capitalista. Todas aquelas características da Trilogia dos Dólares ganharam outra dimensão em uma proposta de entender certos mitos da cultura norte-americana.

Aqui, inicia a Trilogia da América, seu “nascimento de uma nação” nas palavras de Pepe Escobar. A trinca é completada depois com “Quando explode a vingança” (1971), que ganha uma linha política, mergulhando na rebeldia e suas consequências; e outro clássico, injustiçado e mutilado a seu tempo: “Era uma vez na América” (1984), sobre o gangsterismo num bairro judeu em Nova Iorque, com os atores Robert De Niro e James Woods.

Cena de “Quando explode a vingança” (Foto: Divulgação)

LENINGRADO
Em texto para O Estado de S.Paulo de 2 de maio de 1989, o jornalista Pepe Escobar traça um histórico de Sergio Leone para obituário nesse jornal diário.

O autor destaca que o diretor italiano não havia invetado o “western spaghetti”, mas o alçou à categoria de mito. Filho do cineasta Roberto Leone, Sergio começou na indústria de cinema como assistente de Vittorio De Sica no clássico neorrealista “Ladrões de bicicleta” (1948), trabalhando depois com nomes como Mervyn LeRoy, Fred Zinemann, William Wyler e Robert Aldrich e, claro, conhecendo o coração da Cinecittà, lendário estúdio no país da bota.

Escobar informa ainda que, antes de morrer de maneira súbita, Leone se preparava para rodar o mais ambicioso épico da história do cinema: “…o assédio de Leningrado pela elite dos exércitos de Hitler, durante a Segunda Guerra Mundial”, diz o texto, acrescentando que o custo seria de US$ 100 milhões para a época, com De Niro no papel principal.

DEBUTE
Além dos filmes assinados com seu nome, Sergio Leone trabalhou em muitas produções, como diretor ou assistente. Inclusive, utilizou o pseudônimo de Bob Robertson (em homenagem ao pai).

Escreveu e produziu o faroeste “Meu nome é Ninguém” (1973), cuja direção é de Tonino Valerii. Mas Leone teria dirigido algumas cenas desse longa-metragem que tem Terence Hill e Henry Fonda encabeçando o elenco nessa fita com toques de leveza e trilha de Morricone. Basta lembrar de que Hill fez dupla com Bud Spencer em produções que misturavam ação e humor, na série Trinity.

Mas o debute mesmo de Leone é “O Colosso de Rodes” (1961), uma aventura estilo “Sessão da Tarde”, ainda sem o seu consagrado estilo leoniano. Um pouco antes, assumiu a direção de “Os Últimos Dias de Pompeia” (1959), que levou a assinatura oficial de Mario Bonnard.

DOCUMENTÁRIOS
Em 2023, o 8½ Festa do Cinema Italiano exibiu em algumas cidades brasileiras o documentário “Sergio Leone – O Italiano que inventou a América”, de Francesco Zippel.

Ícones de Hollywood, colaboradores e amigos de longa data juntam-se para falar sobre o legado de Leone. É o caso de Clint Eastwood, Martin Scorsese, Dario Argento, Steven Spielberg, Quentin Tarantino, entre tantos.

Outro documentário é “Desenterrando Sad Hill” (2017), de Guillermo de Oliveira. É uma proposta extraordinária e um pouco fora do comum, pois acompanha fãs de cinema que trabalham para restaurar o cenário da cena climática do cemitério de “Três homens em conflito” (1966). Tem relatos de Ennio Morricone, Clint Eastwood e até mesmo do vocalista do Metallica, James Hetfield.

STREAMING
Plataforma de acesso gratuito, o streaming NetMovies tem seis filmes leonianos para os interessados: “Era uma vez no Oeste”, “O colosso de Rodes”, “Por um punhado de dólares”, “Por uns dólares a mais”, “Quando explode a vingança” e “Três homens em conflito”.