O universo de ‘O meu pé de laranja lima’ encanta gerações de leitores há quase cinco décadas

No quinto episódio da série semanal do CORREIO, uma obra que completará 50 anos de histórias em 2018: ‘O meu pé de laranja lima’. O livro escrito por José Mauro de Vasconcelos cativa gerações de leitores com o drama de Zezé

A história é bem simples: Zezé vive em uma família muito pobre, na zona norte do Rio de Janeiro. Arteiro, o moleque de quase 6 anos de idade tem o diabo no corpo e apanha de todo o mundo: pai, irmãos, vizinhos etc. O seu único consolo é um pé de laranja lima, que lhe serve de confidente. Até que surge Manuel Valadares, o Portuga. De “inimigo”, o imigrante português se torna o melhor amigo de Zezé.

Há quase 50 anos, a trajetória desse menino tem encantado gerações de leitores no Brasil. Publicado em 1968, o romance O meu pé de laranja lima já vendeu mais de 2 milhões de exemplares ao longo de 150 edições, rompendo fronteiras nacionais até chegar a 23 países.

A versão mais recente do livro saiu este ano pela editora Melhoramentos em uma edição comemorativa. A capa ficou a cargo de Laurent Cardon; mas as ilustrações internas recuperam o material clássico feito por Jayme Cortez nas primeiras edições.

Texto revisado e acrescido de notas explicativas (de Luiz Antonio Aguiar), a versão atual de O meu pé de laranja lima mantém a essência da narrativa criada por José Mauro de Vasconcelos (1920-1984): a descoberta da dor e da ternura, em uma espécie de rito de passagem da fantasia para a dura realidade.

O estilo de escrita de Vasconcelos é bastante simples e sem segredo, com metáforas utilizadas de maneira direta. Mas que funcionou a contento ao longo desses 50 anos, justificando a permanência desse romance infantojuvenil no mercado livreiro do país.

Talvez o grande segredo de sucesso da história de Zezé é a sinceridade do relato. Narrado pelo próprio protagonista, o livro descortina um universo de ingenuidade, imaginação e descobertas. Afinal, trata-se de uma criança de apenas 6 anos, cuja visão de mundo é adequada a seu desenvolvimento cognitivo.

Não por sinal, sua perspectiva é permeada pela imaginação, projetando seu eu em uma árvore frutífera, como é o caso do tal pé de laranja lima.

Edição comemorativa do livro (Reprodução)

AUTOBIOGRÁFICO

Repleto de tintas autobiográficas, o livro se baseia na própria experiência do autor. O personagem principal é conhecido apenas pelo apelido Zezé, que é uma forma carinhosa de se referir a José, por acaso o primeiro nome do escritor. O pai do protagonista utiliza o sobrenome Vasconcelos, outra referência.

E, no último capítulo, o narrador já adulto faz uma declaração de amizade a Manuel Valadares, o querido Portuga da história.

Por tudo isso, é possível afirmar que O meu pé de laranja lima bebe na vida do autor para transformá-la na ficção estrelada pelo moleque Zezé. Assim como José Lins do Rego em Menino de Engenho (1932), Vasconcelos constrói um livro sincero, colado em uma experiência pessoal.

Aliás, o autor de infantojuvenil dizia que a sua facilidade de comunicação tinha a ver com ele mesmo. É a minha personalidade que está se expressando na literatura, o meu próprio eu.

PORTUGA

Ao lado do pezinho de laranja lima, o Portuga se torna o escape da vida de violência infantil e miséria de Zezé. Com a diferença de que Manuel Valadares é de carne e osso.

Porém, a relação entre o menino e o homem começou de maneira tensa, com a tentativa do protagonista de morcegar (pegar carona) no carro do Portuga. Depois, os dois se entendem e o leitor se encanta com a amizade de ares paternais entre eles.

CONTINUAÇÕES

O protagonista Zezé teve continuidade em dois outros livros de Vasconcelos: Doidão (1963), no qual Zezé é retratado com 19 para 20 anos; e Vamos aquecer o sol (1974), que retrata o menino aos 10 anos, vivendo com pais adotivos em Natal, Rio Grande do Norte.

ADAPTAÇÕES

O sucesso nas livrarias e bibliotecas fomentou o surgimento de adaptações para TV e cinema de O meu pé de laranja lima. A mais recente foi lançada em 2012 pelo diretor Marcos Bernstein.

Na pele de Zezé, o ator João Guilherme Ávila; e José de Abreu como o Portuga. Ao invés do Rio de Janeiro, a ação se passa no interior de Minas Gerais.

Mas a versão clássica do livro é de 1970. Com direção de Aurélio Teixeira, o longa traz Júlio César Cruz no papel de Zezé e o próprio diretor é o Portuga.

Para a TV, foram três adaptações em telenovelas: uma na extinta Tupi e duas na Bandeirantes.

E, em 2003, uma versão em quadrinhos, mas publicada na Coreia do Sul.