A nova era do terror nacional

Quando o relógio badalava à meia-noite em uma sexta-feira 13, a tensão crescia e o medo tomava conta de tudo. Qualquer barulho, mínimo que fosse, era sinal de perigo. Junto com o desconhecido, vinha aquela sensação de pavor que ligava todos os sentidos.

Entre os anos de 1960 e 1980, o leitor brasileiro de quadrinhos nacionais experimentava periodicamente essa situação. Graças a publicações como Calafrio e Mestres do Terror, o gênero do horror cativava milhões de brasileiros.

Um dos responsáveis por isso era o desenhista argentino radicado no Brasil Rodolfo Zalla (1931-2016). Enquanto a saúde e as finanças foram possíveis, ele e sua lendária editora D-Arte fizeram a alegria dos leitores de terror. Inclusive, o Brasil chegou a ter um mercado editorial sustentável para o gênero, com artistas e estúdios nacionais.

Infelizmente, o declínio da economia e das publicações nacionais a partir dos anos de 1990 fez com que os gibis desaparecessem das bancas de revistas. Aqui e ali, somente alguns casos esporádicos; incluindo o próprio Zalla que, nos últimos anos, editou 12 números especiais de suas antigas edições.

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Daniel Saks é o atual editor da nova versão das lendárias revistas (Cristiano Martinez/Correio)

Fã ardoroso do terror nacional, o engenheiro químico Daniel Saks precisava apenas de uma edição dessa série para completar sua coleção. Ele foi até o apartamento de Zalla em São Paulo para conseguir a revista e um autógrafo.

Nesse dia, 11 de julho de 2015, nascia também o projeto de retorno das revistas Calafrio e Mestres do Terror. Os leitores voltariam a ficar assustados novamente.

É uma homenagem: publicar a minha geração favorita de cartunistas, diz Saks, em entrevista ao CORREIO. Totalmente independente, o projeto publica material clássico e também abre espaço para os novos quadrinistas.

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As revistas ‘Calafrio’ e ‘Mestres do Terror’ marcaram época nos quadrinhos (Reprodução)

Em 26 de novembro passado, eram lançados os dois primeiros exemplares das revistas, retomando a numeração histórica que fora interrompida na década de 90. Com periodicidade trimestral, já foram editados os números 53 e 54 (Calafrio); e 63 e 64 (Mestres…).

GORPACON
Saks conta que a edição 65 (Mestres…) já está fechada e deve ser lançada oficialmente durante a GorpaCon 2016, evento de cultura nerd promovido nos próximos dias 13 e 14 de agosto, na Faculdade Guairacá, em Guarapuava.

O editor também vai trazer ao terceiro planalto paranaense outras publicações de terror (como o material clássico da Spektro e uma revista de autores amadores, Contos Sinistros) e o livro Biosfera Poética (Lisboa Design e Edda), organizado pelo Paulo Lisboa.

E, na Bienal de Quadrinhos de Curitiba, em setembro, tem o lançamento da edição 55 da Calafrio.

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Página com a arte do mestre Rodolfo Zalla (Reprodução)

INÍCIO
Mas tudo começou muito antes do encontro de Saks com o mestre Zalla. O engenheiro/editor era colaborador de publicações da editora comandada por Fábio H. Chibilski, em Ponta Grossa.

Saks fez a ponte entre Zalla e Chibilski, que fecharam contrato comercial no início de outubro. Naquele mesmo dia, o Fábio me ligou dizendo que precisava de um parceiro e investidor. Topei na hora, pois era o meu sonho de infância, recorda Saks.

Assim, em novembro, saíam os primeiros números publicados pelo selo Ink Blood Comics, da editora Cultura e Quadrinhos. O Zalla gostou muito e ficou impressionado com a viabilidade econômica.

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A nova série retomou a numeração histórica (Reprodução)

Segundo o editor, o lendário desenhista já tinha muitos problemas de saúde e idade avançada para continuar com o projeto. Infelizmente, Zalla morreu no mês passado e não viu a continuidade do projeto.

Mas Saks garante que a viúva do artista deu sinal positivo para a permanência das duas revistas, avalizando o contrato de três anos.

Com a saída de Chibilski, o editor radicado em Curitiba está tocando sozinho a publicação de Calafrio e Mestres…. O Fábio continua trabalhando na digitalização do material antigo e na diagramação das revistas. Mas tem um novo colaborador que deve pintar nas próximas edições.

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Processo de pintura da capa de ‘Mestres do Terror’ #64 (Arquivo Pessoal/Calafrio e Mestres do Terror)

DIFICULDADES
Com pontos de vendas em algumas cidades do Sul do Brasil (caso de Guarapuava) e São Paulo, Saks avalia que o projeto editorial ainda é deficitário; mas com um rombo pequeno.

No entanto, sou otimista. Mesmo com a situação econômica do país, um dos títulos agora começou a se pagar, explicando que a tiragem é de 300 exemplares. Quero chegar a 500.

Por isso, eventos como a GorpaCon e a Bienal de Quadrinhos são importantes para divulgar o projeto. Segundo o editor, as maiores vendas têm sido feitas via e-mail ([email protected]), fidelizando um público fascinado por quadrinhos de terror.

FOCO
As revistas sob a coordenação de Daniel Saks abrem espaço para o material original de autores contemporâneos (Eduardo Cardenas, por exemplo) e até mesmo de amadores. Segundo ele, a antiga D-Arte tinha essa característica de revelar novos talentos.

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Artista Zalla, falecido em junho de 2016 (Arquivo Pessoal/Calafrio e Mestres do Terror)

Mas, claro, o foco principal é a republicação do material clássico produzido pela geração do Rodolfo Zalla e de artistas mais novos daquela época.

É o caso de Gian Danton, escritor e pesquisador que iniciou sua carreira como roteirista em publicações como Calafrio, nos anos de 1980. Saks informa que duas histórias inéditas de Danton serão publicadas nos próximos números de suas revistas; a arte será de Toninho Lima.

TERROR
Na opinião de Saks, o terror nacional já não tem mais aquela mesma vitalidade de antes. Os quadrinhos estão num momento muito frágil, principalmente das séries regulares.

É um cenário bem diferente, quando o gênero reinava no país. Nas décadas de 60, 70 e 80 do século passado, a demanda era tanta por esse tipo de gibi que se formaram estúdios nacionais para produzir material suficiente.

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‘Calafrio’ na nova fase, com arte de Rodolfo Zalla (Reprodução)

Mas, nos anos de 1990, as revistas de terror desapareceram, explicando que a Bloch foi a última grande editora brasileira que investiu no filão.

Mas com a coqueluche atual em torno de séries de TV e filmes sobre zumbis, Saks acredita que esse é o momento de surfar na onda e investir no terror. Principalmente na formação de novos leitores.

SERVIÇO
Em Guarapuava, as revistas Calafrio e Mestres do Terror podem ser adquiridas no posto Panorâmico (rodovia BR 277, km 338, sentido Curitiba); ou por e-mail ([email protected]), aos cuidados de Daniel Saks.

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A editora Cultura e Quadrinhos também está aberta à colaboração de artistas, avaliando exclusivamente originais do gênero terror. É só entrar em contato.

Texto e foto (capa): Cristiano Martinez