Sonhos não envelhecem: 50 anos de ‘Clube da Esquina’

Gravado por Milton Nascimento e Lô Borges, álbum duplo lançado em março de 1972 é permeado de lirismo e sincretismo. As canções que celebram a amizade, além do amor à terra, carregam o espírito de Minas Gerais, onde começaram, nos anos de 1960, os encontros do grupo de amigos em torno da música

Eram moços que se reuniam numa esquina de Belo Horizonte para jogar bola, trocar ideias e fazer música. Também se chamavam sonhos e sonhos não envelhecem.

Por isso, 50 anos depois, ainda se fala (muito) e se ouve (com muita atenção) o disco “Clube da Esquina”, lançado em março de 1972 pela gravadora EMI-Odeon. O projeto liderado por Milton Nascimento e Lô Borges é resultado daqueles encontros de amigos em Minas Gerais.

Eles faziam parte do tal Clube da Esquina, uma espécie de movimento musical mineiro, ainda que sem essa pretensão. Na verdade, o termo criado por Lô zoava com os jovens ricos que frequentavam clubes sociais à época, enquanto ele e seus amigos jogavam bola e faziam um som na rua mesmo, em alguma esquina qualquer, no bairro de Santa Tereza, em BH, nos anos de 1960.

Era um encontro de amigos, reunindo uma turma com Wagner Tiso, Fernando Brant, Beto Guedes, Flávio Venturini, os irmãos Borges (Marilton, Márcio e Lô), Milton, entre outros. Inclusive, Bituca (apelido de Milton) foi vizinho da família Borges no edifício Levy, no Centro de BH, anos antes de estourar como compositor.

“Aquela época do Clube foi de muita importância na minha vida”, disse Milton, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, na edição de 29 de janeiro de 2019.

Em resumo, o Clube da Esquina não existe enquanto organização social ou espaço físico. Muitos curiosos, quando visitam Belo Horizonte, costumam perguntar sobre a localização do tal Clube. Mas este só existe no mundo lírico da música. Ou nas “esquinas” da vida.

Deslocamento mesmo foi o que Lô fez, ainda menor de idade, nos anos de 1970 quando viajou ao Rio de Janeiro para gravar aquele que veria a ser o “Clube da Esquina”. A ideia era registrar as músicas criadas por ele, Milton e a turma mineira. Nelson Angelo, Wagner Tiso, Toninho Horta, Tavito, Luiz Alves foram alguns dos músicos das gravações. Fernando Brant, Márcio Borges e Ronaldo Bastos também colaboraram com as letras.

Reunião de amigos resultou em clássico da MPB (Foto: Reprodução)

MARCA
De maneira geral, é um disco permeado de lirismo e sincretismo. As canções que celebram a amizade, além do amor à terra, carregam o espírito de Minas Gerais, onde começaram, nos anos de 1960, os encontros do grupo de amigos em torno da música.

Segundo o pesquisador Augusto Piccinini, para o jornal Metro, Milton e Lô cantaram “sobre a amizade, o amor juvenil, o pé na estrada e as frustrações em meio à ditadura militar”. Ele ainda avalia que o disco, musicalmente, representou uma importante síntese do que circulava à época: “…uma síntese talvez menos refletida e menos sustentada teoricamente como foi a do Tropicalismo, mas tão potente quanto”.

No total, são 21 faixas distribuídas pelos dois LPs. Destaques para “O trem azul” e “Um girassol da cor do seu cabelo”, ambas composições de Lô Borges e Ronaldo Bastos; “Paisagem da janela”, de Lô Borges e Fernando Brant; “Um gosto de sol” e “Nada será como antes”, compostas por Milton Nascimento e Ronaldo Bastos; e “Clube da Esquina nº 2”, de Milton Nascimento, Lô Borges, Márcio Borges.

“O repertório do ‘Clube 1’ foi todo praticamente composto na praia de Mar Azul, Piratininga, Niterói (RJ)”, explica Milton, ao Estadão de 2019. “O Clube da Esquina foi um encontro de amigos que estava na hora certa e no lugar certo. E, principalmente, que sempre se cercou de pessoas que queriam dividir o melhor do mundo onde quer que fosse: amizade, música e amor, sempre”.

Versão ao vivo de uma das faixas do álbum de 1972 (vídeo disponível no Canal Milton Nascimento)

CAPA

A capa de “Clube da Esquina” (1972) é emblemática, sendo tão reconhecida quanto as próprias canções. Ela exibe duas crianças sentadas em uma estrada de terra – uma delas, descalça e com um pedaço de pão na mão; a outra, olhando desconfiada para a câmera.

Os meninos fotografados pelo pernambucano Cafi (morto em 2018) são, na verdade, Antônio Carlos Rosa de Oliveira, o Cacau, e José Antônio Rimes, o Tonho. Eles ficaram quatro décadas sem saber que haviam estampado um dos mais importantes álbuns da MPB.

Inclusive, Cacau e Tonho entraram em 2012 com um processo contra a gravadora EMI, além de Milton e Lô, por uso indevido de imagem e danos morais.

Segundo o jornal Folha de S.Paulo, a foto da capa de “Clube da Esquina” foi tirada em 1971, em uma área rural nos arredores de Nova Friburgo, no Rio. Tonho e Cacau, que tinham entre sete e oito anos de idade, estudavam juntos, e seus pais trabalhavam como campeiros em uma fazenda na região.

“Em 1971, ele [Cafi] estava passeando na região com Ronaldo Bastos em um Fusca, quando avistou os meninos. ‘Foi como um raio’, disse Cafi ao Estado de Minas em 2012, contando também que Milton adorou a imagem”, escreveu Lucas Brêda para a Folha.

LIVRO
Em 2018, o jornalista Paulo Thiago de Mello lançou o livro “Milton Nascimento e Lô Borges – Clube da Esquina” (ed. Cobogó), que conta os bastidores e o contexto histórico do álbum.

**************Texto: Cristiano Martinez, especial para correiodocidadao.com.br

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