Paródia do Batman, ‘Gotham City’ é uma composição de Capinam e Macalé apresentada em 1969

Em 1969, Capinam e Jards Macalé apresentaram a canção “Gotham City”, com referências ao universo de HQs do Batman, mas sem relação direta com o personagem; era uma paródia. Tampouco com o filme em cartaz, “The Batman”. Mesmo assim, vale uma ouvida nesse trabalho que foi regravado pelo Camisa de Vênus em 1985

Na onda da nova batmania, provocada pelo sucesso “The Batman” (em cartaz), pululam camisetas e acessórios referentes ao personagem dos comics (uma criação de Bob Kane e Bill Finger para a DC em 1939).

No afã de informações sobre o universo do Morcegão, muita gente deve ter se deparado com a canção “Gotham City”. Passado o calor do momento, se deu conta que não tem nada a ver com o novo filme, tampouco com a série quase homônima (“Gotham”, protagonizada por um jovem detetive James Gordon). É uma paródia do herói.

Independentemente disso, vale uma espiada (ouvida) na composição de José Carlos Capinam e Jards Macalé. Ela foi apresentada em 1969, durante o 4º Festival Internacional da Canção Popular do Rio de Janeiro (FIC).

Segundo Capinam, ao jornal O Estado de S.Paulo (de 23 de setembro de 1969), a letra de “Gotham City” teve um processo mágico: para cada sílaba escrita, Macalé tinha uma nota pronta. “Em sua música, ele tenta dizer às pessoas que as estruturas que são tão reais para a gente podem de repente virem a ser quadrinhos com histórias de Batman e Robin. O cotidiano vai solapando a sensibilidade de todos”, diz o texto do Estadão.

A letra da canção começa assim: “Aos 15 anos eu nasci em Gotham City/Era um céu alaranjado em Gotham City/Caçavam bruxas nos telhados de Gotham City/No dia da independência nacional”. Em seguida, o refrão “Cuidado! Há um morcego na porta principal/Cuidado! Há um abismo na porta principal”.

Claro que os compositores utilizam referências do universo de Batman: “No cinto de utilidades as verdades Deus ajuda/ A quem cedo madruga em Gotham City”, citando o famoso cinto de bugigangas do personagem em uma das fases das HQs; ou “No céu de Gotham City há um sinal/Sistema elétrico e nervoso contra o mal”, em clara menção ao batsinal.

No entanto, a canção é permeada por uma atmosfera de pesadelo e dissolução, premiada pelas convenções. Há quem diga que é uma previsão sobre o futuro das metrópoles.

Amor, Ordem e Progresso (2012) – Foto: Rejane Zilles

VISUAL
Ao jornal O Globo (de 12 de agosto de 1969), Macalé explicou que a apresentação da canção no FIC exploraria elementos visuais, como num espetáculo. Duas jovens, fantasiadas como as meninas do Chacrinha (popular comunicador de TV, já falecido), entrariam no palco do Maracanãzinho, acompanhando o músico e a banda Os Brazões, sob efeitos de luz e slides.

“O jovem baiano [Jards Macalé], que no ano passado resolveu aderir ao movimento de Gil e Caetano [tropicalismo], está pensando ainda em projetar o filme de Batman, com letreiros no estilo pop, para criar o clima que deseja”, escreveu o jornal.

Aliás, “Gotham City” foi criada numa tarde em que Capinam e Macalé se reuniram na Gávea (RJ). O primeiro já possuía uma letra sobre as histórias em quadrinhos do Batman; e o segundo um tema para uma “balada de mocinho”, também baseado nas revistas infantis. Depois, era só adaptar letra e música até chegar ao ponto ideal.

Mas a canção não é exatamente a cidade apresentada nas HQs do Morcego. Na verdade, vai além de um local e de uma consciência. “Poderia existir em qualquer parte do mundo, com pequenas adaptações às características locais, já que está dentro de uma forma de música que luta contra as pressões violentas de todo o ‘mundo terráqueo’, utilizando um método mais sutil de ‘dizer as coisas’ através da gíria, ‘que é a linguagem e é fundamental para a comunicação com o grande público’”, em trecho da reportagem.

No YouTube, é possível conferir o áudio da apresentação de Macalé em 1969. A introdução é feita com um tema instrumental (nos metais) da trilha do seriado de TV do Batman de 1966. Depois, vem “Gotham City”, numa performance experimental que foi vaiada.

Ele subverteu a ordem musical, cênica e comportamental no seu limite, ele fez um happening, tão em voga na época, sem precedentes. “Misturou cinema, história em quadrinhos, teatro, música, artes plásticas e poesia. O que muita gente não compreendeu é que Macalé estava sendo mais Macalé que nunca”, diz o site do artista.

Registro de “Gotham City”. Não é a a famosa apresentação de 1969

FILME

Jards também teve sua vida e obra retratada nos filmes “Jards Macalé – Um morcego na porta principal”, de João Pimentel e Marco Abujamra, de 2008, e “Jards”, de Eryk Rocha, de 2012, ambos premiados no Festival do Rio, além do curta “Tira os óculos e recolhe o homem”, de André Sampaio.

CAMISA
Em 1985, o Camisa de Vênus regravou “Gotham City” para seu segundo trabalho de estúdio, “Batalhões de Estranhos” (RGE, produção de Reinaldo Barriga), que tem ainda os hits “Eu não matei Joana D’Arc” e “Hoje”. A canção composta por Capinam e Macalé fecha o lado A desse LP.

A banda liderada por Marcelo Nova, uma das mais importantes do BRock dos anos 80, fez, segundo a crítica, uma versão com ecos de The Velvet Underground e Lou Reed. No disco “Plugado!” (1995), tem uma versão ao vivo.

Na década oitentista, o Camisa era Nova (vocais), Robério Santana (baixo), Karl Hummel (guitarra base), Gustavo Mullem (guitarra solo) e Aldo Machado (bateria).

A banda segue na ativa, com apenas Nova e Robério da antiga formação. Seu mais novo álbum autoral é “Agulha no Palheiro” (2021), que celebrou os 40 anos de história do Camisa em 2021.

**************Texto: Cristiano Martinez, para correiodocidadao.com.br

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