Narrativa ‘quebrada’ em livros de Aline Bei espelha a fragmentação das personagens

Em setembro, Bei participou da 41ª Semana Literária Sesc PR em Guarapuava, conversando com o público local sob mediação da orientadora de atividades culturais Andriele de Chaves Bortolin

Histórias de silêncio, perdas e fraturas. A literatura da escritora Aline Bei se vale de uma narrativa formada por frases quebradas para apresentar personagens fragmentadas.

Desde a sua estreia em 2017 com o romance “O peso do pássaro morto” (Edith/Nós), a autora vem arrebatando crítica e leitores com sua abordagem original, feita a partir de prosa experimental e mergulho intimista. No ano passado, lançou seu segundo livro, “Pequena coreografia do adeus” (Companhia das Letras).

Neste mês de setembro, Bei participou da 41ª Semana Literária Sesc PR em Guarapuava, conversando com o público local sob mediação da orientadora de atividades culturais Andriele de Chaves Bortolin.

Antes de começar o evento, a reportagem do CORREIO conversou com a escritora, um dos nomes de destaque da produção contemporânea. Antes de lançar o primeiro romance, ela já escrevia nos tempos da faculdade de Letras. Eram textos curtos, sem intenção de publicar.

Isso mudou quando conheceu o escritor Marcelino Freire. “Foi uma pessoa decisiva”, diz Bei, recordando seu primeiro contato com ele, quando o entrevistou para seu site. Depois, a autora se matriculou na oficina de escrita de Freire, percebendo que havia chegado a hora de publicar.

A princípio, o intuito era de reunir textos mais curtos, mas Bei não conseguiu mantê-los num mesmo espaço. “Porque eram textos muito diversos, que foram escritos para plataformas de internet”, com várias tentativas de montagem antes de pensar em escrever seu primeiro romance.

Até que lhe veio a ideia de que estrearia com uma história mais longa, um romance. No entanto, olhar a produção mais antiga foi importante para perceber temas e obsessões que encontraram seu espaço nos dois livros lançados em seguida. “São obsessões bastante circulares, que voltam, retornam, quase como se eu não conseguisse terminar de dizer o que eu começo a dizer no trabalho. Eu precisasse continuar a dizer de outro ângulo, de outra fresta”.

Autora estreou com livro publicado pelas editoras Edith e Nós (Foto: Reprodução)

PUBLICAÇÃO
Assim, Bei participou de um concurso literário e teve seu livro selecionado para ser publicado pela Edith, do Marcelino Freire. Mas a editora da Nós, Simone Paulino, estava no júri e adorou os trabalhos, colhendo tanto o romance de Aline quanto de Paulo Junior (“São Bernardo sitiada”)

“Foi dessa maneira que o livro começou a circular”, recorda a escritora, que se dedicou à divulgação de “O peso do pássaro morto” nas redes sociais e à interação com leitores, vendendo o livro por quase cinco anos. Foi um “boca a boca” orgânico que fez a obra furar a bolha de publicações independentes.

Após quatro meses da publicação de sua estreia, a escritora participou do evento Primavera Literária em Paris. No retorno ao Brasil, a Companhia das Letras a procurou perguntando se estava escrevendo um novo trabalho. Era “Pequena coreografia do adeus”, que sairia depois por essa casa editorial.

FORMA
As duas obras escritas por Aline Bei chamam atenção pela forma narrativa. Numa linha fronteiriça de gêneros literários, sua prosa é atravessada pela poesia, quebrando as frases e rompendo com as palavras. É uma escrita fragmentada e baseada em silêncios, no ritmo das personagens.

Em “O peso do pássaro morto”, por exemplo, tem-se a vida de uma mulher, dos 8 aos 52, desde as singelezas cotidianas até as tragédias que persistem, uma geração após a outra.

A autora conta que, quando começou a escrever, achou que fosse poeta. “Eu fui percebendo ao longo do tempo que o poeta é uma coisa muito inata. Você pode se tornar uma prosadora, um prosador; mas o poeta tem uma inclinação natural. Porque a poesia se faz também num olhar muito especial para as coisas”, explicando que entendeu que o que fazia não era poesia, mas não abandonou o gesto de quebrar frases.

Desse modo, as frases quebradas em seus livros têm a ver com as personagens, que também estão quebradas, fragmentadas. “Eu acredito muito nessa força da forma e conteúdo. Eu não acho que a forma deve vir vazia; ou deve vir num virtuosismo, numa espécie de ‘lacração’, alguma coisa para mudar o ritmo do que está sendo feito, só pela revolução”, explica Bei, acrescentando que isso tem de ocorrer de maneira orgânica.

“E o meu trabalho é muito permeado do silêncio, na temática e na forma. Eu sempre estou falando de personagens que estão à beira de um colapso silencioso de si. Eu acho que a minha linguagem quebrar, se esvaziar e se romper tem muito dessa poeira, dessa delicadeza, dessa dor que as personagens, as protagonistas, acabam carregando”, destacando que, ao longo dos anos, o seu trabalho foi de acolher esse estilo, entendendo o ritmo, a dicção.

A cada livro, a escrita de Bei se compromete mais com a radicalidade e os silêncios, explorando outras formas, como é o uso da letra diminuta no segundo livro: o eu pequeno é espelhamento das violências sofridas pela protagonista Julia. “Ao invés de eu ficar descrevendo o quanto é difícil e dura a relação, eu tento trazer a dor para a palavra, como se a palavra pudesse ser também porosa”, afirma a autora.

Em “Pequena coreografia do adeus”, Julia é filha de pais separados: sua mãe não suporta a ideia de ter sido abandonada pelo marido, enquanto seu pai não suporta a ideia de ter sido casado. Sufocada por uma atmosfera de brigas constantes e falta de afeto, a jovem escritora tenta reconhecer sua individualidade e dar sentido à sua história, tentando se desvencilhar dos traumas familiares.

PRÓXIMO
No momento, Bei está escrevendo o terceiro livro, cujo processo iniciou em 2022. A primeira versão deve ser entregue em 2023, como trabalho final de uma pós-graduação em escrita performática. Depois, o material passará por reescrita.

PRÊMIO
Na mesma semana em que Aline Bei visitou Guarapuava, a organização do Prêmio São Paulo de Literatura divulgou os finalistas de sua 15ª edição. O romance “Pequena coreografia do adeus” está na categoria Melhor Romance do Ano, concorrendo com autores como Andréa Del Fuego, Fernando Bonassi, Silviano Santiago, entre outros.

Unidade Sesc Guarapuava recebeu a 41ª Semana Literária Sesc (Foto: Redação/Correio)

SOBRE
Aline Bei nasceu em São Paulo, em 1987. É formada em letras pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e em artes cênicas pelo teatro-escola Célia Helena. Seu romance de estreia, “O peso do pássaro morto” (2017), foi vencedor do prêmio São Paulo de Literatura e do prêmio Toca, além de finalista do Prêmio Rio de Literatura. Em 2021, laçou seu segundo livro, “Pequena coreografia do adeus”, pela Companhia das Letras.

******Reportagem: Cristiano Martinez, especial para correiodocidadao.com.br

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