Dalton Trevisan completa 99 anos em meio a uma série de lançamentos
Autor paranaense é considerado um dos grandes mestres do moderno conto urbano no Brasil. É um gênero narrativo curto em que ele se especializou pela exploração da temática das relações humanas, marcadas pela mesquinharia e falta de afeto; e pela lapidação textual, reduzindo seus contos a “miniestórias”
Quase centenário. O escritor paranaense Dalton Trevisan completa 99 anos de idade nesta sexta-feira (14). Ele nasceu em 14 de junho de 1925 em Curitiba e se mantém até hoje na mesma cidade. Só não é visto em público.
No meio literário, Dalton é conhecido pelo anedotário em torno de sua reclusão e aversão a entrevistas. Ele sempre se pautou pela máxima de que o texto fala pelo autor.
E olha que textos. Esse curitibano é considerado um dos grandes mestres do moderno conto urbano no Brasil. É um gênero narrativo curto em que ele se especializou pela exploração da temática das relações humanas, marcadas pela mesquinharia e falta de afeto; e pela lapidação textual, reduzindo seus contos a “miniestórias”, ou seja, um tipo de formato semelhante ao haicai na poesia: breve na extensão e conciso no efeito temático.
No cenário paranaense, Dalton é “o” nome no conto; e talvez o maior escritor autor dessas terras. Uns vão preferir o poeta e letrista Paulo Leminski (1944-1989); outros, o romancista Cristovão Tezza (71 anos). E ainda a poeta Helena Kolody (1912-2004). Sem contar nomes em atividade como Domingos Pellegrini (74 anos), Miguel Sanches Neto (58 anos), Giovana Madalosso (49 anos), Luci Collin (60 anos)…
Mas ninguém nega o impacto daltoniano com livros desconcertantes e clássicos como “O Vampiro de Curitiba”, “Cemitério de Elefantes”, “Desgracida”, “A Polaquinha”, “Guerra Conjugal”, “Ah, é?” e tantos mais.
Nos últimos anos, uma série de obras desse contista mor tem saído em novas edições. Inclusive, como algumas preciosidades e homenagens.
Na terra natal do “vampiro de Curitiba”, a editora independente Arte e Letra publica a caixa “Traçadas linhas – Dalton e Poty”. É um material que celebra o trabalho do escritor e do artista gráfico Poty Lazaroto, com itens diversos, produzidos por diversos parceiros e montada artesanalmente. A produção e curadoria são de Fabiana Faversani e Thiago Tizzot.
A edição tem concepção e produção gráfica de Guilherme Caldas e Rafael Milani Medeiros, capa executada na Tipografia Gapski e impressão de miolo em risografia de duas cores + montagem na Arte e Letra.
O lançamento presencial acontece neste sábado (15), na livraria Arte e Letra em Curitiba (rua Desembargador Motta, 2.011, Batel), a partir das 15h, “com participação especial para o evento (não presencial) de Dalton Trevisan (14/06/1925), evento que também celebra seus 99 anos”, brinca a editora.
Essa mesma casa editorial tocada pelos irmãos Tizzot relançou em tiragem limitadíssima um livro de Dalton que nunca havia sido reeditado após a 1ª edição de 1945. Até agora. Trata-se de “Sonata ao Luar”, estreia do autor. Esta novela reúne temas, personagens e a escrita precisa daltoniana já revelando o seu talento.
Nas mãos da Arte e Letra, o livro teve uma tiragem feita de forma artesanal, com capa em tecido e tipografia e guarda com papel marmorizado. Esgotou em poucas horas, em 2023.
MAIS
Casa principal de Dalton, a Record lançou neste mês de junho edições caprichadas de duas obras daltonianas. Uma é “Macho Não Ganha Flor”, publicado originalmente em 2006, e considerado um ponto de virada na trajetória de Dalton Trevisan. A nova edição ganha nova capa e textos de orelha e quarta capa de Augusto Massi e Caetano W. Galindo.
Consagrado ainda nos anos de 1960 por seu olhar atento sobre a realidade, o escritor curitibano transpõe para o século 21 os dramas protagonizados por gente violenta, oprimida, pobre e fracassada. Os Joões e Marias de outrora agora estão usando crack, os malandros adaptaram-se a novos golpes, e a violência, esganiçada, ultrapassou todos os limites – o livro se passa em um tempo quando nada mais parece constranger vítimas e algozes.
“Essas histórias fazem corar o mais alienado dos leitores. Os personagens envoltos na bruma do anonimato são, aqui, postos em evidência. Flertando com a crônica policial, Trevisan oferece protagonismo aos seus anti-heróis, que narram em primeira pessoa as desgraças vividas nas grandes cidades”, diz a editora.
Outra reedição é “Cemitério de Elefantes”, clássico publicado originalmente em 1964 e que consolidou o escritor como um dos maiores autores do Brasil. Agora, retorna com nova capa e textos de orelha e quarta capa assinados por César Aira e Marçal Aquino, ilustres figuras da literatura nacional e internacional.
São contos minimalistas e olhar atento do escritor curitibano. Não por acaso, pois alguns dos melhores momentos do autor estão neste livro. É o caso de “Uma vela para Dario”, que virou um clássico do repertório daltoniano, ao escancarar a crueldade do ser humano em uma situação-limite.
Também sai em junho uma seleta de contos eróticos com orelha de Fernanda Torres e tirinha inédita de Laerte. Em setembro, haverá dois infantis no selo Reco-Reco, adaptações inéditas de contos de Trevisan com ilustrações de Eloar Guazzelli e Odilon Moraes.
Já a Tinta-da-China vai circular um ebook gratuito em parceria com o Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. A coletânea de ensaios organizada pelos professores Fernando Paixão e Hélio de Seixas Guimarães terá textos de Eliane Robert Moraes, Alcides Villaça e do americano Michael Wood, da Universidade Princeton, entre vários outros.
ANTOLOGIA PESSOAL
Prova de que Dalton Trevisan ainda continua na ativa é que ele escolheu 94 contos de sua vasta produção para o volume em capa dura “Antologia pessoal”, lançado pela Record no ano passado.
Com prefácio do crítico Augusto Massi, essa antologia proporciona, ao mesmo tempo, um rito de iniciação aos novos leitores e, àqueles que já são íntimos do Vampiro de Curitiba, um inventário de suas melhores histórias.
Neste novo autorretrato, a mais ampla e representativa de suas antologias, reúne contos de “Novelas nada exemplares” (1959) até “O beijo na nuca” (2014), deixando antever suas referências literárias, as diferentes formas narrativas que adotou ao longo da carreira.