Desenhando a própria história

Como o grafite coloriu os dias de um jovem guarapuavano, para além de uma profissão

O interesse pela arte, nos seus mais diversos modos, pode surgir ainda na infância, no colégio, ou a partir de alguma referência durante o crescimento. Para Maurício Oliver (28 anos), guarapuavano criado no bairro Primavera, a arte começou a fazer parte dos seus dias por meio de um projeto escolar. 

Fazer parte do Festival de Arte da Rede Estudantil (Fera) enquanto cursava o ensino fundamental proporcionou ao garoto uma visão entusiasmada sobre a arte. O rapaz foi selecionado para participar do programa duas vezes, nos anos de 2005 e 2006. Em uma delas, os estudantes deveriam retratar o bairro onde moravam a partir de pinturas e quadros, e foi pelo resultado desse primeiro passo que o artista começou a se interessar pelos desenhos.

Com relação ao incentivo da família, Oliver relata que no início não recebeu apoio, muito porque, no começo, ele realizava pichações. Entre saídas durante o dia, ou à noite, o jovem pintava em qualquer lugar mesmo sem autorização. Ele, porém, salienta: “O  grafite é isso, é o ilegal, mas você fazendo a sua arte, sem a autorização de ninguém. O real grafite é isso. Então a minha trajetória começou daí, na pichação mesmo”.

ATELIÊ

Até começar a ter independência financeira e poder viver da arte, a casa em que cresceu foi o ateliê de experimentos de Oliver. 

No início, ele admite que não conhecia os materiais certos para os grafites, apenas depois de certo tempo, por meio do contato com algumas pessoas experientes na área, é que ele foi tomando conhecimento sobre os sprays a serem utilizados. 

A falta de experiência no começo também o impediu de criar determinados desenhos que necessitavam de um amparo de materiais próprios para o grafite. “Muitas das vezes eu queria fazer alguma arte, mas eu não conseguia, um pouco por causa da minha pouca experiência e também pelo material que eu tinha”, comenta o grafiteiro. 

Antes de se dedicar somente aos desenhos, o jovem conciliava a profissão com outro emprego, em uma loja de carros. De acordo com ele, a possibilidade de poder trabalhar somente com o grafite o fez evoluir na arte e, que, a sensação de fazer o que se gosta vai além de um compromisso de trabalho, sendo algo gratificante.

GRAFITE

Para a concepção de um desenho, a inspiração pode vir de diversas formas e surgir em diferentes ocasiões. Com relação aos grafites, segundo Oliver, pode existir uma inspiração em outras artes, mas em seus trabalhos ele sempre preza pela própria criação e pelos traços individuais. O álbum de desenhos que criou guarda mais de 500 imagens.

Durante os anos em que o jovem foi se aperfeiçoando na arte, o contato com algumas pessoas serviu de incentivo, além do conhecimento adquirido. Por meio dos amigos que fez através do trabalho e que também exercem a mesma profissão, Oliver ampliou as suas percepções e conhecimentos sobre o grafite.

Quando questionado sobre o preconceito com relação à atividade, Maurício comenta que ainda é algo muito evidente na população. Como no início de um grafite não há como saber, muitas das vezes, o que será desenhado, certas pessoas podem produzir um prejulgamento. “Muitas das vezes já falaram ‘vou denunciar isso aí’, ‘é ilegal’”, enquanto a produção estava em andamento, comenta o artista guarapuavano.

Porém, mesmo em meio a essas situações desrespeitosas, ele também relembra das pessoas que acompanharam o trabalho do início ao fim.

HOMENAGEM 

Um dos últimos trabalhos de Oliver abordou uma questão muito significativa e de relevância social. Os profissionais da área da saúde receberam um grafite em homenagem aos trabalhos prestados durante a pandemia da Covid-19.

O grafite foi feito em um muro na quadra do Hospital São Vicente de Paulo, um dos principais hospitais da região, com demanda de outras cidades no cuidado aos pacientes diagnosticados com coronavírus, junto ao Hospital Regional.

O desenho retrata uma profissional com o objeto de utilização primordial nos últimos meses: uma máscara. Nesse caso, podemos compreender que essa arte propicia à população de Guarapuava, além da homenagem, um ato de reflexão.

PRODUÇÃO

Com uma média de 15 a 20 trabalhos no mês, Oliver conta que as artes consideradas rápidas demoram em média três horas para serem feitas, já os grafites mais longos podem durar semanas. Este em especial, precisou de quatro dias para ficar pronto, divididos entre a preparação do muro e a pintura do desenho. Assim, a arte exposta na rua Comendador Norberto segue atraindo os olhares e a atenção de quem passa pelo local. 

HISTÓRIA

Com início nos anos de 1970, nos Estados Unidos, a arte do grafite percorreu muitos lugares, sendo usada principalmente como uma forma de protesto. 

A expressão e o sentido expostos nos desenhos tinham o intuito de demonstrar uma reivindicação, muitas das vezes, sobre um setor, área ou uma situação que estava ocorrendo na sociedade e que desagradava uma parcela da população.

Sem delimitação de espaços ou permissão para a pintura, no Brasil o grafite foi ganhando espaço primeiro na cidade de São Paulo. Por não necessitar da aprovação de terceiros para ocorrer, mesmo sendo reconhecido como ilegal nessas situações, o grafite passou por altos e baixos com relação à aceitação do público. 

Com tudo isso, Oliver se orgulha ao falar que hoje consegue viver do grafite. A profissão que não é tão conhecida pela maioria das pessoas é a mesma que o incentiva a sempre buscar melhorar na arte dos desenhos. 

Ao longo dos anos de trajetória, o rapaz consegue observar com clareza a evolução pela qual passou. E, diante de tudo isso, a paixão pelo desenho foi ocupando a designação de profissão e se tornou uma experiência sem cobranças.

“Para mim não é um trabalho, é um hobby, porque é uma coisa que eu gosto e a cada trabalho que eu faço ou dou o meu melhor, faço o possível. Isso é bem gratificante, não tem explicação”, finaliza o grafiteiro.

****Samilli Penteado, especial para CORREIO

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