Série em quadrinhos ‘Mágico Vento’ explora relações de alteridade em ‘faroeste-terror’

Lançado em versão de luxo no Brasil, volume da editora Mythos explora as origens do personagem Mágico Vento. Série é protagonizada por ex-soldado que integra a povo nativo americano

Nos velhos filmes de faroeste de Hollywood, quase sempre os mocinhos são os caubóis e os vilões, os índios. É a versão branca e colonizadora da conquista do Oeste na história norte-americana. Com o tempo, essa visão se desconstruiu de alguma maneira no cinema e nos quadrinhos.

O perigoso maniqueísmo deu lugar a personagens ambíguos, que tanto podiam ser cara-pálida ou pele vermelha. Curiosamente, os artistas europeus é que possibilitaram esse revisionismo por meio de filmes e HQs produzidas principalmente na Itália. No caso da sétima arte, basta lembrar do western spaghetti de Sergio Leone.

Já nos fumetti (como são chamados os quadrinhos italianos), Gianluigi Bonelli e Aurelio Galleppini criaram, por exemplo, o ranger Tex, que é um caubói branco, mas com forte ligação familiar entre os índios navajo. Não por sinal, ele é conhecido como Águia da Noite.

No entanto, as relações de alteridade seriam melhor exploradas a partir dos anos de 1990, com a série Mágico Vento, uma criação de Gianfranco Manfredi. O personagem principal era um soldado conhecido como Ned Ellis que se integra à etnia indígena após um acidente de trem.

Nesse episódio, um fragmento de metal em seu cérebro apagou a memória do soldado; mas lhe deu o poder da visão, tornando-se espécie de xamã de sua nova tribo. Assim, ele passa a se chamar Mágico Vento, pois o vento o guiou até os índios.

As origens do personagem criado por Manfredi, roteirista tradicional do universo da Sergio Bonelli Editore, se assemelham à saga do protagonista de Dança com Lobos, filme que fez muito sucesso em 1990 com Kevin Costner na pele do jovem militar John Dunbar, que passa a conviver com os índios Sioux e os lobos.

Tanto num caso como no outro, trata-se de um fenômeno de aculturação, ou seja, de assimilação da cultura do outro, no caso o povo indígena. Ao invés de Ned e John imporem sua tradição de homem branco, eles preferem seguir uma nova identidade. Inclusive, com mudança de nome, como ocorre com o personagem de Manfredi.

Mágico Vento (à dir.), ao lado de seu companheiro Poe (Reprodução)

REFERÊNCIAS

Aliás, na introdução ao livro Mágico Vento: Forte Ghost (2017), publicação brasileira da editora Mythos, Gianfranco Manfredi comenta sobre o clima de interesse pela cultura dos nativos americanos no cinema dos anos de 1990. Ele cita os filmes Dança com Lobos e O Último dos Moicanos.

Mas eu tinha comigo que era hora de ousar mais e de misturar o modo clássico de contar o faroeste com uma estética mais próxima das gerações jovens, que também tinham as ruas raízes no gênero terror. Daqui veio a definição – meio ambígua, admito – de ‘faroeste-terror’, diz no texto, referindo-se à criação de Mágico Vento.

Nesse sentido, a produção cinematográfica que mais teve sintonia com o quadrinho de Manfredi, segundo ele mesmo, foi Dead Man (1995), de Jim Jarmusch. O protagonista (Johnny Deep) era conduzido por um índio em uma viagem mística em descoberta de uma cultura outra.

Capa do volume 1 da edição brasileira

ORIGENS

Assim, em julho de 1997 era publicada na Itália a primeira história estrelada por Mágico Vento. Com desenhos do espanhol José Ortiz, Manfredi abre as primeiras páginas com imagens grandiosas de um acidente de trem, que é averiguado por um índio. Em meio aos destroços, Cavalo Manco localiza o único sobrevivente vivo: o soldado Ned Ellis. Mas a vítima perdeu a memória e, três anos depois, parte em busca de soluções para o enigma do estranho acidente.

Para descobrir, Ned deverá iniciar uma atormentada viagem em seu passado, e, só no fim do caminho, entre os fantasmas do Forte Ghost, ele poderá saber a verdade. Nessa trajetória, o ex-soldado fica amigo do jornalista Willy Richards, o Poe (que é fisicamente parecido com o escritor Edgar Allan Poe).

Essa aventura foi lançada no Brasil, em 2017, pela Mythos em uma versão de luxo (R$ 69,9), com capa dura e papel couché. A edição ainda tem a história Garras, publicada originalmente em 1997.

DOIS

No início deste ano, saiu o volume 2 de Mágico Vento, com destaque para a história Lady Caridade (R$ 69,9).

Anjo dos pobres de Chicago, a dama conhecida como Lady Caridade não é exatamente o que parece. Willy Richards, vulgo Poe, não demora a se dar conta, mas corre o risco de enlouquecer ao ser envolvido na teia que a diabólica mulher teceu para ele. Magico Vento está longe demais para poder socorrer o amigo, mas o fio que os une permitirá que ele receba a tempo o pedido de ajuda do corajoso jornalista.

Em tempo, as aventuras de Mágico Vento já haviam sido publicadas no Brasil em uma série regular de gibis em banca, no clássico formato italiano.