Os ‘alemães da Colônia’ vieram da Alemanha?

‘Ocorre que, tecnicamente, os 2.446 integrantes das 500 famílias de Suábios do Danúbio que desembarcaram na antiga estação ferroviária de Góes Artigas, entre junho de 1951 e março de 1952, não eram alemãs. Ao menos, quase ninguém tinha essa cidadania’, em

Colonos, bem-vindos a Guarapuava, dizia a grande faixa exposta pela prefeitura de Guarapuava em frente ao Colégio Visconde de Guarapuava, no dia 10 de junho de 1951. Não era bem uma faixa, mas constava dos diversos detalhes que a agência de publicidade da época desenvolveu durante seu job de recepção para a primeira leva de imigrantes europeus que fundariam as cinco colônias do distrito de Entre Rios –conhecidas ainda hoje pelos guarapuavanos como colônia dos alemães.

Ocorre que, tecnicamente, os 2.446 integrantes das 500 famílias de Suábios do Danúbio que desembarcaram na antiga estação ferroviária de Góes Artigas, entre junho de 1951 e março de 1952, não eram alemãs. Ao menos, quase ninguém tinha essa cidadania.

Por isso, vale até fazermos um exercício de imaginação. Provavelmente, Bem-vindos colonos, uma frase extremamente simpática e gentil, não foi a primeira sacada dos publicitários da época. Durante o brainstorming, alguém pode ter sugerido antes Bem-vindos alemães, mas logo esclareceu-se que a maioria nasceu na extinta Iugoslávia. Outro pode ter dito que bastaria escrever então Suábios do Danúbio, bem-vindos a Guarapuava, mas, sabiam eles, que não teria approach diante do público-alvo, pois dificilmente alguém conheceria esses tais suábios e o time amador do Danúbio só seria fundado mais de três décadas depois.

Foi então que perceberam ser necessário desenvolver um storytelling, pois, por incrível que pareça, só havia um único alemão naquele primeiro transporte (houve sete embarcações no total), que levou exatos 221 pessoas da Áustria até o interior do Paraná. Outras 15 pessoas eram austríacas, seis eram romenas, um perdião era italiano, outro se dizia estadunidense (!) e 197 declararam-se iugoslavos.

Declararam-se, pois, naquele momento, eles eram tidos como apátridas, após perderam sua cidadania ao serem expulsos de suas terras, no outono europeu de 1944, já no final da Segunda Grande Guerra. Apenas ao chegarem ao Brasil, quase sete anos depois, receberam a cidadania brasileira e voltaram a saborear o sentimento primário de fazer parte de uma nação.

Ufa, um história e tanto! Mas, afinal de contas: os suábios eram alemães ou não? Deixando os pormenores para as próximas colunas, basta saber que Suábios do Danúbio é uma etnia formada por povos descendentes de cultura germânica. Ah! Finalmente, então os colonos que chegaram em 1951 eram alemães! Nein, nein. Lá atrás, no século 18, camponeses que viviam no Oeste e Sudoeste da atual Alemanha foram incentivados a habitar o leste Europeu, recém-conquistado do Império Otomano.

lá uma região inóspita, repleta de pântanos, que após dois séculos de sofrimentos e mortes por conta de diversos tipos de pestes, foi transformada no chamado Celeiro de Grãos europeu, por conta da elevada produtividade agrícola. Região essa que, após o fim da Primeira Guerra Mundial e a queda do Império Austro-Húngaro, deu origem a países como a antiga Iugoslávia, Hungria, Romênia, entre outras nações.

E durante todo o período dos últimos dois parágrafos, que soma cerca de 200 anos, esses agricultores mantiveram vivos também sua cultura, tradições, o idioma alemão e o dialeto suábio – felizmente, agregando também costumes de outros povos, como o Gulasch dos húngaros, por exemplo. A fim de manter sua identidade, autodenominaram-se Suábios do Danúbio – uma vez que o Rio Danúbio foi a 277 que os guiou do Oeste e Sudoeste alemão aos pântanos do Leste Europeu.

Assim, os camponeses da Suábia do Século 18 se tornaram os colonos do século 20 e continuam sendo, até hoje, os alemães da colônia, quase 70 anos depois de desembarcarem na terra do lobo bravo. Ah, mas o que os alemão da colônia falam não é bem o alemão! Ou é alemão? Sim e não! Aprende-se e difunde-se o alemão, e pratica-se, no dia a dia, o dialeto suábio. Mas isso é assunto para um próximo job, porque essa história já está tão complexa quanto receita de Dobosch.

 

**********Klaus Pettinger é jornalista, escritor e o autor do romance ‘O Sumiço do Hanomag’. Neste espaço, ele conta semanalmente curiosidades e fatos históricos sobre a colônia suábia de Entre Rios. Para contato com o colunista: [email protected]; Facebook: klauspettinger