Obra-prima ‘Frankenstein’ assusta leitores há 200 anos

Obra-prima da literatura ocidental, ‘Frankenstein – ou o Prometeu moderno’ é precursor da literatura de ficção científica. Escrito por Mary Shelley, livro completou 200 anos desde o seu lançamento em 1818

A cena é clássica. Ao redor de uma fogueira, numa noite densa na floresta, jovens recriam histórias de terror. O sobrenatural e o misterioso dão o tom da ocasião. Quando acaba a energia nas casas à noite, é quase certeza que isso ocorre também à luz de velas.

No verão de 1816, jovens amigos se reuniram ao redor de uma lareira para contar histórias de terror. Era uma noite de tempestade, em uma casa luxuosa às margens do lago Genebra, na Suíça.

Em meio a trovões e relâmpagos, o anfitrião Lorde Byron (1788-1824), famoso poeta inglês, impressionou seus convidados com seus relatos assombrosos, retirados do volume de histórias Fantasmagoriana. Naquela noite, dia 16 de junho, ele propôs que cada um dos participantes escrevesse uma história de fantasma. Mary Shelley foi dormir e sonhou com o terrível espectro de um homem esticado, que ganhava vida a partir de um mecanismo potente.

Ao abrir os olhos no dia seguinte, ela estava tomada pelo medo e impressionada pelo espectro hediondo, que não lhe saía da cabeça. Assim, nascia o mito de Frankenstein, obra que seria publicada em 1818.

Na verdade, aquela noite de 1816 resultou em dois dos maiores mitos do gênero de terror na literatura: o vampiro, presente no romance inacabado The Vampyre (1819), de John Polidori, que também estava na casa de Byron; e o monstro feito de restos mortais em Frankenstein – ou o Prometeu moderno, no título completo.

Aliás, o livro gótico de Shelley completou em 2018 seu bicentenário de história. Logo depois que a autora teve aquele sonho fantástico, ela o transcreveu em 1816. Mas, após alguns rascunhos, a obra só viria à luz no Ano-Novo de 1818, em uma tiragem de apenas 500 cópias. Não contente com essa versão, a escritora fez correções e lançou uma edição revisada em 1831, que é o material mais conhecido e publicado.

Edição de luxo da Darkside

ENREDO

Incrível como uma jovem com menos de 20 anos de idade teve a capacidade de elaborar uma das obras-primas da literatura ocidental. Com iniciação científica e treino filosófico, graças ao ambiente doméstico, Mary Shelley se inspirou também nos avanços científicos do século 19 sobre eletricidade para criar o personagem monstruoso de Frankenstein.

Na narrativa, o responsável pela experiência é o Dr. Victor Frankenstein. A obra abre com as cartas do capitão de um navio, Robert Walton, que se depara com o monstro e Victor, ambos em geleiras, rumo ao Polo Norte. Sua tripulação recolhe o estranho ser humano, que conta toda a sua dolorosa trajetória até aquele momento.

PERSONAGEM

Na cultura pop, quando se fala no mito do Frankenstein vem logo à lembrança aquela imagem clássica do monstro de cabeça quadrada e parafusos no pescoço, irracional, pouco comunicativo e assustador. Graças ao sucesso do filme de James Whale, lançado em 1931, a caracterização de Boris Karloff consagrou esse visual, que serve até hoje de parâmetro para representações nos quadrinhos, animações etc.

No entanto, o monstro criado por Mary Shelley é totalmente diverso: inteligente, culto, ávido por leitura, articulado. Ele tem consciência de sua aparência monstruosa e, por isso, odeia seu criador. Tudo o que a criatura mais almeja é ser amado e romper a solidão a que foi destinado.

Já Victor Frankenstein é obstinado pelo conhecimento e pela razão, tomando para si a missão de domar a natureza. Nesse processo todo, ele se isola das pessoas amadas e concebe a figura feita de restos mortais.

PROMETEU

Não por sinal, o livro tem o subtítulo Prometeu moderno. Ou seja, é uma referência da autora a Prometeu, o titã que roubou o fogo dos deuses na mitologia grega. Como punição, ele foi condenado a ter seu fígado comido todos os dias por uma águia. Segundo a tradutora Márcia Xavier de Brito, na versão de Ovídio o titã criou um homem do barro e de partes de animais, conferindo-lhe vida com a centelha do fogo celestial.

Assim, Victor age como Prometeu e cria a vida a partir de um ser hediondo. Mas o erro do cientista foi seu egoísmo e orgulho em achar que poderia passar por cima de todos para gerar a vida.

A imagem do monstro vivido por Karloff está no imaginário cultural (Reprodução)

Em linhas gerais, Frankenstein é um livro de ficção científica/terror que suscita reflexões éticas e estéticas no leitor. Mesmo passados 200 anos de história e histórias, a obra de Shelley continua viva e pulsante, tal como a criatura recém-criada.

SERVIÇO

Em domínio público, o livro Frankenstein pode ser encontrado em versão gratuita na internet. Mas a editora Darkside lançou uma edição de luxo em 2017 que vale a pena o investimento (R$ 59,9, em média).