Muitos são obrigados a deixar os estudos, diz mestranda que teve bolsa cancelada

Devido ao contingenciamento de recursos das agências de fomento no Brasil, 23 alunos de mestrado da Unicentro não irão receber bolsas para desenvolver suas pesquisas; CNPq pode suspender pagamentos de subsídios já vigentes

Aos poucos, as ações a nível federal que geraram o encolhimento do financiamento às pesquisas científicas e tecnológicas começam a afetar localmente a vida de alunos de pós-graduação. Devido à dedicação necessária para desenvolver seus estudos, muitos acabam ficando afastados do mercado de trabalho durante dois anos, no caso do mestrado, ou quatro, no caso do doutorado.

Assim, cabe a esse subsídio encaminhado por agências como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) suprir a manutenção mínima do pós-graduando dentro da instituição de ensino.

Na visão do professor Marcos Ventura Farias, pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação (Propesp) da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), o cenário é muito preocupante, já que gera a impossibilidade de muitos acadêmicos permanecerem no ambiente universitário.

Isso respinga também na qualidade do trabalho desenvolvido, já que o aluno não bolsista precisa procurar outras formas de se manter, apontando que a tendência é que os cursos passem por um período difícil nos próximos anos.

Na Unicentro, uma das pesquisadoras afetadas diretamente pelos cortes orçamentários nas agências é Gabriela Tabareli Neuvald (21 anos), que está desenvolvendo um mestrado no ensino de línguas, e que teve sua bolsa cancelada.

Ao CORREIO, ela afirmou que foi selecionada e que deveria começar a receber o subsídio em agosto, mas foi comunicada há uma semana que isso não irá ocorrer. Sem isso, toda a pesquisa precisa ser financiada pelo próprio pesquisador. Na atual conjuntura, muitos são obrigados a deixar os estudos, lamenta.

A jovem seria uma das acadêmicas contempladas por recursos de uma parceria entre a Fundação Araucária (FA) e a Capes, que geraria dez novas bolsas de mestrado. Mas, devido ao contingenciamento orçamentário, as agências recuaram.

Em sua pesquisa, Gabriela busca propor soluções para problemas identificados em salas de aula na rede pública de ensino. Ela realizará a coleta de dados em uma escola na região de Guarapuava, ministrará aulas para um grupo do ensino básico para avaliar o desenvolvimento dos estudantes acompanhados e fará a produção e impressão de materiais didáticos.

(Foto: Ilustrativa/Arquivo/Correio)

DESVALORIZAÇÃO

A mestranda é enfática ao dizer que a marginalização das ciências humanas, apesar de não ser um fenômeno recente, está aumentando nos últimos anos. Em sua opinião, o Brasil é um dos países que menos valoriza a educação e os professores, e que a produção científica na área leva tempo e investimento para mostrar resultados perceptíveis a nível nacional.

Para ela, além do insubstituível apoio das instituições de fomento, é necessário mudar a mentalidade do brasileiro para impulsionar o desenvolvimento da pesquisa científica no país. A maioria das pessoas não compreende que quase tudo ao seu redor é resultado de pesquisa, desde o alimento que está em sua mesa até ambientes onde o produto não é material, como o aprendizado, diz.

De forma semelhante, o pró-reitor reconhece que a nível nacional há uma leitura de que algumas áreas do conhecimento podem ser privilegiadas – em detrimento, por exemplo, de pesquisas com menor visibilidade.

A qualidade da pesquisa também nessas áreas dependentes do fomento, porque são áreas distintas, que trabalham com metodologias distintas dentro de sua aplicabilidade, mas não há como falar que têm importâncias diferentes, afirmou Marcos.

CORTES

De acordo com dados da Propesp encaminhados à reportagem, 50 bolsas do CNPq para o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio (Pibic-EM) foram bloqueadas.

Na pós-graduação, a Capes cancelou 23 bolsas de mestrado, além da desistência da parceria com a FA, que geraria mais dez subsídios no programa de pós-graduação da Unicentro.

Para piorar o cenário, devido a um déficit orçamentário de R$ 330 milhões, o CNPq pode suspender o pagamento de bolsas a partir de setembro, afetando programas de iniciação científica, mestrado, doutorado e de produtividade em pesquisa.