Há um princípio primeiro que não pode ser negligenciado

‘Com certeza há muitos indivíduos sendo enganados sem saberem que são. Assim, a apologia pelo justo esclarecimento parece ser a nova fonte de água viva que todos precisamos tomar. Impossível não ver tantos sintomas de mal-estar por aí’

Compartilhar aos homens o fogo dos Deuses foi a grande tarefa de Prometeu e, por esta razão, pagou um preço alto. Prometeu sabia que se os homens tivessem acesso ao fogo sagrado, exclusividade dos Deuses até então, o esclarecimento, a emancipação, a autonomia e o fim da tutela seria democratizada para muitos em uma espécie de profanação positiva. Kant também, a seu modo, sempre primou pelo esclarecimento e pela razão e esta sua obsessão consolidou a contemporaneidade. Pois bem, estamos na primeira parte do século XXI e não vejo outra saída pedagógica aos Professores e Mestres senão a tentativa do esclarecimento às pessoas em busca de novas emancipações e intervenções propositivas. Nada de imposição ou verdade absoluta pelo alto, mas sim a fiel responsabilidade de evidenciar com cuidado as contradições de nosso tempo vulnerável e embaralhado [que já anda por um fio], suas diversas máscaras e seus inúmeros dispositivos de dominação que escondem essências e, por fim, a possibilidade da defesa de um estilo de vida incomum, diferente do convencional, em uma imunização necessária à nossa subjetividade.

Com certeza há muitos indivíduos sendo enganados sem saberem que são. Assim, a apologia pelo justo esclarecimento parece ser a nova fonte de água viva que todos precisamos tomar. Impossível não ver tantos sintomas de mal-estar por aí. De fato, reconheço que estou, apesar do pessimismo generalizado, fértil em pretensões, afinal esclarecer nunca foi tarefa fácil. Esclarecer resulta em, quase sempre, conflitar com a realidade. Algo em torno do que Sócrates primeiramente e, mas tarde Foucault, chamou de parresia ou livre dizer sincero.

Pois bem, vivemos no Brasil, um país que quer mudar, mas continua travado e imobilizado em velhas vigas mestras. Um país que quer-se reformar, ao menos economicamente, no enxugamento do Estado e no retorno a um moralismo mais conservador em seus costumes, mas que não tem conseguido compreender o sentido primeiro desta possível mudança que tem a ver com cultura, educação e novos hábitos, encobrindo a pergunta principal que é ‘o que é mudar de verdade e o que nos fará ser uma melhor civilização ’. Pretende-se um espelhamento na eficaz civilização norte americana, algumas européias e até asiáticas, mas não procuramos alterar nossas estruturas arcaicas, obsoletas e profundamente populistas. Esclarecer é também entender esta nossa incapacidade. Queremos tanto mudar que não compreendemos o que é de fato mudar e onde queremos chegar. Esta nossa necessidade de buscar fora o que não temos aqui tem que começar por um verdadeiro diagnóstico do que realmente temos e do que nunca tivemos, mas acreditávamos que tínhamos. Temos uma musculatura física incrível enquanto país, muito superior a quase todos os países titulares espalhados pelo globo, mas temos também a maior impotência já vista por aí, justamente por termos nos acostumado a sermos o filho protegido do melhor pai e a endeusar práticas periféricas, fraudulentas e transgressoras como vitórias homéricas. Há muita impostura e vida pouco autêntica nestas terras desde o princípio.

Esclarecimento diz respeito a distanciamento crítico e o fim de preferências fisiológicas e passionalidades que não nos permite enxergar o óbvio. Está claro que o novo governo, avalizado nas urnas e nas redes sociais por milhões de Brasileiros não pode tudo e não conseguirá tudo que almeja, mas com certeza um passo primeiro e imprescindível seria a proposição de uma mudança de paradigma que envolva a construção de uma nova casa com nossa própria matéria-prima, a partir do que realmente somos e não daquilo que exibimos ser, sem sermos, de forma fantasiosa. Não vejo outro caminho senão em plantar uma educação que considere uma frase evangélica, a saber: no Evangelho de João, está escrito que “no princípio era o Verbo”. Ora, em grego, trata-se de uma palavra filosófica que não significa só começo no tempo, mas também fundamento. No tempo presente podemos fazer a seguinte analogia ‘no princípio é a educação’. A educação, em essência é o exercício do Verbo. De fato, nosso país e nossa população têm passado mais tempo em tentar ser outro e ser outra do que propriamente compreender o que realmente somos e jogar com nossa própria natureza. Precisamos urgentemente de uma reinvenção de nossa vida privada para tentar atingir a pública e isto só poderá ser possível com muito esclarecimento.

 

**********Claudio Andrade é professor associado da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro), no Departamento de Filosofia. Além de doutor, é presidente da Academia de Letras, Artes e Ciências de Guarapuava (Alac) e assessor da Rede de Assessores de Cefep/CNBB Brasília (DF)