Há 20 anos, som tecno-rock arejava o Ira!
Há mais de 20 anos, a banda paulistana Ira! lançou um de seus discos mais experimentais: ‘Você não sabe quem eu sou’. Naquele momento, o quarteto formado por Nasi, Scandurra, Gaspa e Jung queria arejar seu som e olhar para o futuro
O ciclo de produção experimental da banda paulistana Ira! parecia movido pelo número oito no passado. Em 1988, o então quarteto formado por Nasi (voz), Edgard Scandurra (guitarra), Gaspa (baixo) e André Jung (bateria) produziu um dos grandes discos da década oitentista: Psicoacústica. A necessidade de romper com padrões musicais e a provocação eram a receita desse trabalho de estúdio.
Passados dez anos, em 1998, a banda sentiu novas inquietações e produziu o CD Você não sabe quem eu sou (gravadora Paradoxx), seu oitavo disco de estúdio (sem contar o compacto de 1984). Desta vez, o radicalismo levou o Ira! às batidas da música eletrônica. O resultado foi uma obra pesada e existencial, com faixas instrumentais e esquisitas. Pronto. Virou um disco maldito de uma das bandas mais incompreendidas do tradicional mercado fonográfico.
Com produção de Carlo Bartolini e Ira!, o disco de estúdio é composto de 11 faixas: são três releituras – Miss Lexotan 6 mg – Garota (Flávio Basso), Nada Além (Gotta Get Away) (Ogilvie, Burns – Versão: Ciro Pessoa) e Eu Não Sei (I Can't Explain) (Pete Townshend – Versão: Roger); quatro de autoria de Scandurra – Às vezes, de vez em quando, Descendo o Mississipi, Você não sabe quem eu sou e Justiça Militar, Justiça Civil (Liquidação de Verão); e o restante é fruto de parcerias: ‘Correnteza (Ciro Pessoa, Nasi, Gaspa), Vou me encontrar (Nasi, Gaspa), Tantas nuvens (Edgard Scandurra, Carlos Barmack, Ciro Pessoa) e A natureza sobre nós (Ciro Pessoa, Nasi, Gaspa).
As letras de canções como a faixa-título e a hard Às vezes, de vez em quando dão uma boa ideia do todo: instabilidade, rupturas e conhecimento do eu. Ao final dos anos de 1990, os integrantes do Ira! não queriam mais fazer um disco de garagem. O quarteto sentia necessidade de sair da zona de conforto.
Por isso, o tecno trazido pelo guitarrista Scandurra foi absorvido e se tornou o tecno-rock de Você não sabe quem eu sou. Em matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo de 17 de abril de 1998, os quatro músicos divergem em alguns pontos, mas todos concordam com a bem-vinda mudança de ares.
O CD [‘Você não sabe quem eu sou’] contempla passado, presente e futuro, dizia Nasi. Assim não vira museu, cover de Ira! Não somos mais o rock dos 80, somos dos 90, finalizava Jung.
PRESENTE
Em 1998, o baterista André Jung queria que o Ira! soasse como uma banda dos anos de 1990, ou seja, do tempo presente. Passados 20 anos, é possível dizer que Você não sabe quem eu sou ainda permanece atual, a despeito de muitos fãs que torceram o nariz para o experimentalismo tecno-rock daquele ano.
Dentro da trajetória musical do Ira!, Você não sabe quem eu sou é um ponto fora da curva; ou seja, soa muito diferente de tudo o que a banda fez antes e depois. Sem o apelo pop de discos como Mudança de comportamento (1985) e Vivendo e não aprendendo (1986), o material de 1998 não foi bem de vendas e se tornou até mesmo desconhecido para o público em geral.
Aliás, hoje o material está fora de catálogo e tampouco está disponível nos tocadores de streaming pagos da internet (tipo Deezer). É possível ouvir todas as faixas no site do Ira! (CLIQUE AQUI), em qualidade baixa; ou no Youtube (CLIQUE AQUI).
Mas esse CD de tecno-rock tem seu lugar na história musical, principalmente pelas esquisitices e provocações da proposta sonora. Se não chega a ser uma obra-prima do quilate de Psicoacústica, pelo menos se sobressai a muitos trabalhos que tentaram misturar rock com música eletrônica naquela década de 90.
Em termos de criatividade e ousadia, Psicoacústica e Você não sabe quem eu sou são os trabalhos de estúdio mais relevantes do Ira!, goste ou não dos caminhos e riscos, acertos e erros tomados por Nasi, Scandurra, Gaspa e Jung naquela época.
FILME
Em tempo, Você não sabe quem eu sou também é o apropriado título de um documentário lançado neste ano sobre o polêmico vocalista Marcos Valadão, o Nasi. A direção é de Alexandre Petillo, Rogério Corrêa e Rodrigo Cardoso.