Fora da caixa: obras ‘esquisitas’, mas que são legais

A partir do insólito gibi ‘Eles estão por aí’ (2018), o CORREIO selecionou mais exemplos de obras aparentemente ‘esquisitas’, mas que podem se tornar uma experiência única e gratificante

A princípio, a narrativa de Eles estão por aí (ed. Todavia) é esquisita. Duas estranhas formas de vida iniciam uma jornada em meio a um espaço fora do comum, deparando-se com outras criaturas igualmente únicas, digamos assim.

A trama dessa graphic novel publicada em 2018 ganha impulso a partir do sonho de uma das protagonistas. Após relatar a estranha experiência onírica a seu companheiro, ambos partem pra lá. Ao longo das páginas, ocorre uma sucessão de personagens e questionamentos que perturbam o incauto leitor.

Produzido por Bianca Pinheiro (de Bear e Mônica: Força) e Greg Stella (de Meu pai é um homem da montanha), Eles estão por aí rompe com os padrões tradicionais dos gibis, provocando certo estranhamento no leitor. Em suma, um quadrinho esquisito.

Mas que é bom! Nesse caso, esquisito não é sinônimo de ruim ou mal feito. Na verdade, Bianca e Greg constroem uma HQ coesa e que funciona bem dentro da proposta adotada pela obra. As personagens principais percorrem uma jornada muito singular e que tira o leitor de sua zona de conforto.

Quase sempre, é importante tomar contato com experiências estéticas como essa de Eles estão por aí. Se o leitor estiver disposto, certamente terá uma percepção diferente após a última página.

Capa da HQ lançada por Bianca Pinheiro e Greg Stella em 2018

MÚSICA

Pensar fora da caixa não é uma exclusividade do universo dos quadrinhos. Esse tipo de experiência também é possível graças a outras formas artísticas: música, cinema, literatura etc.

Voltando aos anos de 1980, o ouvinte pode achar esquisito se deparar com O que, faixa que encerra o disco Cabeça Dinossauro (1986), da banda de rock Titãs.

Essencialmente, essa canção é um jogo de palavras em torno da conjunção que: Que não é o que não pode ser que/Não é o que não pode/Ser que não é/O que não pode ser que não/É o que não. Assemelha-se muito com as experimentações da Poesia Concreta, uma vanguarda estética que despontou em meados dos anos de 1950 no Brasil.

Ainda um jovem músico na década de 80, o titã Arnaldo Antunes já mostrava suas influências literárias na composição das letras. Tanto é verdade que, tempos depois, ele seguiria carreira-solo na música e na literatura.

Em O que, as repetições de palavras formam uma espiral de ideias, ganhando novos sentidos a cada retomada do que, esse conectivo com tanta serventia e funções gramaticais na língua portuguesa. Sem contar que a parte musical dessa canção tem um padrão repetitivo, baseado principalmente na programação eletrônica e no contrabaixo. O que tem arranjo de Titãs e Liminha (um dos produtores de Cabeça Dinossauro).

Até hoje, os ouvintes se sentem incomodados com O que. Uns acham uma faixa chata, outros genial. Aliás, os Titãs sempre foram uma banda estranha, com muitos integrantes, discos desiguais e canções sortidas.

Independentemente de gostar ou não, a faixa composta por Antunes tira qualquer um de sua zona de conforto. Só por isso já valeu a pena.

Nos anos de 1980, os Titãs eram fora da curva para os padrões musicais (Foto: Reprodução)

CINEMA

De Jean-Luc Godard a Lars Von Trier, o cinema ocidental costuma ser campo predileto de experimentações de cineastas e roteiristas. Às vezes, basta apenas uma sequência bem feita para incomodar o espectador, levando-o até mesmo a abandonar com revolta a sessão.

Um dos filmes mais estranhos dos anos de 1990 é O casamento de Muriel (1994). Não chega a ser uma produção radical como o movimento europeu Dogma 95 (também da mesma época), mas tem lá seus momentos de esquisitice. A começar pela protagonista, a jovem Muriel Heslop (Toni Collette), que vive de maneira solitária em meio a uma família disfuncional.

Fã incondicional do grupo ABBA, Muriel se veste de maneira cafona, está acima do peso e é rejeitada pelas supostas amigas. Enfim, uma personagem que incomoda o espectador, acostumado a belas protagonistas em comédias dramáticas de Hollywood.

Uma das cenas mais esquisitas do filme é a performance musical ao som do ABBA (Foto: Reprodução)

Dirigido por P.J. Hogan, O casamento de Muriel subverte a lógica e põe uma personagem esquisita no centro da trama (Você é terrível, Muriel é uma das frases mais usadas pelas outras personagens). Mas é quase impossível não gostar de Muriel e se identificar com ela. Até mesmo as músicas bregas do ABBA caem bem.

E um detalhe: Toni Collette viria a se tornar um rosto bastante conhecido em produções como O sexto sentido (1999) e Pequena Miss Sunshine (2006).

Em resumo, o esquisito pode ser legal no cinema, na música e nos quadrinhos.