Disponível no streaming, documentário faz releitura do Brasil dos anos de 1970

O documentário brasileiro ‘Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava’ se propõe a recontar uma fase da história do país a partir da seleção de cenas extraídas de filmes da pornochanchada

Ao contrário do que muita gente pensa, o subgênero da pornochanchada não se resume apenas a nudez, títulos de duplo sentido e produção barata. Sua capacidade de comunicação popular e penetração na periferia marcou uma fase emblemática no cinema brasileiro nos difíceis anos de 1970.

Por isso, um documentário como Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava (2017) vem em boa hora. Disponível recentemente na plataforma de streaming Netflix (serviço em que as produções podem ser assistidas online apenas pelos assinantes), a obra dirigida por Fernanda Pessoa é feita a partir dos filmes que se enquadram nesse subgênero.

Em pouco mais de uma hora de duração, a cineasta reconta parte da história brasileira por meio de imagens e diálogos selecionados de obras lançadas ao longo do ciclo da pornochanchada.

Sem narração em off ou entrevistas, Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava tem uma narrativa experimental cujo pontapé é o golpe militar de 1º de abril de 1964. Não à toa, a primeira cena selecionada tem um diálogo lapidar: O que mais lhe interessa na história?, pergunta um homem a uma jovem colegial, que responde: A sacanagem.

Todo o documentário é resultado de um trabalho de montagem de cenas retiradas de 30 filmes da pornochanchada. Ou seja, o espectador assiste a uma verdadeira colagem orgânica de trechos que ganham nova dimensão no documentário.

A gente nunca pensa na ‘pornochanchada’ como uma fonte histórica. Ela é sempre vista como entretenimento, muita gente acha que foi um grande problema na nossa história do cinema, que causou danos ao cinema [brasileiro]. É muito inusitado, a gente nunca procura como esse cinema, que era o mais visto e o mais produzido, retratava a sociedade

HISTÓRIA

Segundo Fernanda Pessoa, seu filme não é sobre o conjunto heterogêneo de filmes do gênero. Mas se utiliza deste fenômeno para pensar temas caros à história do país naquele período, como o chamado milagre econômico, as consequências diretas do êxodo rural e a expansão das favelas.

A gente nunca pensa na ‘pornochanchada’ como uma fonte histórica, disse a diretora em entrevista ao jornal Nexo. Ela é sempre vista como entretenimento, muita gente acha que foi um grande problema na nossa história do cinema, que causou danos ao cinema [brasileiro]. É muito inusitado, a gente nunca procura como esse cinema, que era o mais visto e o mais produzido, retratava a sociedade.

APELO

Além do evidente apelo erótico, os filmes rotulados de pornochanchada (mistura de comédia e nudez) foram os mais produzidos e assistidos de sua época.

Feita em regiões como a Boca do Lixo em São Paulo, a pornochanchada alcançou êxito em se aproximar do povão, distribuindo seus filmes em cinemas de periferia. Pode parecer pouco, mas nem o incensado Cinema Novo (movimento experimental dos anos de 1960) chegou até as massas.

Em termos de produção e circulação, a pornochanchada é um ciclo que provou que o cinema brasileiro poderia ser sucesso de bilheteria, alcançado os pontos mais distantes nas cidades. Hoje em dia, com a concentração das salas de cinema em shopping centers e do domínio de blockbusters norte-americanos, os filmes brasileiros se apartaram de seu público.

VOZES

A narrativa multifacetada e colada de Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava permite o protagonismo dos filmes produzidos nos anos de 1970. Por meio das cenas selecionadas, as produções falam por si só em uma multiplicidade de vozes.

A lista inclui A Super Fêmea, As aventuras amorosas de um padeiro, Noite em chamas, Terror e êxtase, Cada um dá o que tem, entre outros.