A primeira confraternização entre guarapuavanos e suábios

Naquele domingo, Guarapuava parou para receber os 221 Suábios do Danúbio. E não se trata de força de expressão – centenas de pessoas prestigiaram uma cerimônia grandiosa. Crianças guarapuavanas seguravam pequenas bandeiras com as cores brasileiras, que na

Os colonos alemães da Iugoslávia, Romênia e Hungria, que partiram da Itália estão chegando da Áustria, com ajuda suíça e brasileira, a fim de cultivar suas tradições suábias em terra guarapuavana. Ufa! Se um desavisado passasse por Guarapuava na primeira semana de junho de 1951 e perguntasse o que era toda aquela movimentação na rua XV de Novembro, próximo ao atual Colégio Estadual Visconde de Guarapuava, provavelmente receberia como resposta a frase acima. Especialmente, se questionasse alguém com boa capacidade de síntese e certa dose de ironia.

Fato é que o dia 10 de junho de 1951 amanheceu frio e com um belíssimo céu azul. Naquele domingo, Guarapuava parou para receber os 221 Suábios do Danúbio. E não se trata de força de expressão – centenas de pessoas prestigiaram uma cerimônia grandiosa. Crianças guarapuavanas seguravam pequenas bandeiras com as cores brasileiras, que na sequência foram entregues aos filhos dos imigrantes. Estes, por sua vez, empertigaram-se em trajes típicos para a ocasião.

Enquanto alguns se perguntavam onde foi parar o famoso calor do clima brasileiro, as famílias se aqueciam com o simbolismo e o real sentido de acolhimento, oferecido pelo povo de Guarapuava. Tratava-se do primeiro alento dos suábios, após serem obrigadas a deixar suas terras no sudeste Europeu, ao final da Segunda Guerra Mundial, para viver sete anos de exílio na Áustria, sob o véu da complacência. E, naquele dia, os integrantes do primeiro grupo do total de 2.446 pioneiros que tomaram a corajosa decisão de recomeçar suas vidas em terras brasileiras encontravam-se apostos, no centro de Guarapuava.

O acolhimento local foi de tamanha genuidade que manteve-se vivo por décadas na memória de muitos suábios. Quando passeamos pela primeira vez pela cidade, uma mulher teuto-brasileira veio ao nosso encontro e perguntou-nos se éramos estrangeiros, pois ela estava determinada a convidar a primeira imigrante que encontrasse para um café da tarde. E assim fomos tomar um café em sua casa no domingo seguinte. A partir de então, a Dona Gertrude e eu nos tornamos praticamente irmãs, ela nos ajudou desde o começo, ao nos presentear com galinhas e confeccionar calças e saias para as crianças. Era uma grande pessoa, contou a pioneira Petronella Wild em entrevista arquivada no Museu Histórico de Entre Rios.

A cerimônia contou com a presença de forças políticas locais da época, que enfatizaram reiteradamente em seus discursos a disposição em receber as famílias de Suábios do Danúbio, bem como sua força de trabalho. Dentre eles, encontravam-se o prefeito de Guarapuava, Juvenal Assis Machado, o presidente da Agrária, Michael Moor, e o ex-deputado Frederico Virmond de Lacerda Werneck, representante do governador Bento Munhoz da Rocha Neto no ato e pai do então Secretário de Agricultura do Paraná, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck (estes dois últimos diretamente envolvidos na articulação para trazer o projeto suábio a Guarapuava).

Assim que chegaram a um dos maiores municípios do país à época, os 221 suábios foram acomodados nas recém-inauguradas instalações da então escola Visconde de Guarapuava. O local era ideal, mas foi escolhido apenas alguns dias antes da chegada do grupo. Por ser período de férias escolares, permaneceram ali durante cerca de quatro semanas. Cada três famílias dividiram as futuras salas de aula, em camas com colchões de palha.

Ao longo desse período, apenas os homens deslocavam-se para a região da Colônia Vitória, a fim de construir os barracões comunitários e a sede da cooperativa. Antes que as primeiras estruturas estivessem prontas, alguns deles chegaram a permanecer acampados sob lonas de plástico – confabulando se o pior era o frio ou o ataque noturno dos mosquitos –, retornando à cidade apenas aos finais de semana para visitar os familiares. Na segunda-feira seguinte, subiam em caminhões e encaravam o sinuoso trajeto de volta. Por sinal, a própria construção e melhoria das vias de acesso coube aos primeiros pioneiros, bem como medições de terras e a preparação de terreno para as demais construções do projeto.

Mulheres, crianças e idosos permaneceram nas instalações do Visconde de Guarapuava e, não raras vezes, recebiam visitas de vizinhos curiosos por conhecer os recém-chegados. Cumprimentavam-se e tentavam trocar algumas palavras, alimentando a sensação de bem-estar entre os pioneiros. Por falar em alimentação, teve início ali o trabalho da cozinha comunitária, cujo cardápio era composto por Gulasch, um dia sim e noutro também, e muito pão com mel – uma das poucas iguaria disponíveis em abundância, e que as crianças adoravam.

As mulheres descobriram o que significa lavar roupa e, mesmo com céu esplendorosamente azul, esperar por dois dias para que ela secasse, devido ao frio. Sem falar na adoção de técnicas ensinadas pelas guarapuavanas, como o uso de arame farpado como varal, a fim de evitar que as calças e ceroulas saíssem voando com as rajadas de vento do planalto. Aos domingos, a participação das missas na Catedral Nossa Senhora de Belém tornou-se rotineiro – o fato de a cerimônia ser em português era o menor dos empecilhos de um povo de fé fervorosa.

Exatamente um mês após a chegada, teve início o transporte das famílias de Guarapuava para a Colônia Vitória. Começava ali a construção efetiva da nova pátria, com todos os 221 pioneiros reunidos lado a lado, sob o mesmo teto do barracão comunitário, separados apenas por divisórias improvisadas com malas. O próximo passo seria a construção conjunta das próprias casas. Dos lares definitivos daqueles colonos alemães da Iugoslávia, Romênia e Hungria, que partiram da Itália, vindos da Áustria, com ajuda suíça e brasileira, a fim de cultivar suas tradições suábias em terra guarapuavana. Dez gentílicos fora, restaram as gentilezas mútuas entre o povo de Guarapuava e seus novos conterrâneos, desde o alvorecer do ainda hoje saudável convívio.

*******Klaus Pettinger é jornalista, escritor e o autor do romance ‘O Sumiço do Hanomag’. Neste espaço, ele conta semanalmente curiosidades e fatos históricos sobre a colônia suábia de Entre Rios. Para contato com o colunista: [email protected]; Facebook: klauspettinger