65 anos sem Graciliano Ramos: ‘Ele continua atual’, diz neto

Em entrevista, Ricardo Ramos Filho avalia que a obra literária de seu avô, Graciliano Ramos (1892-1953), continua atual. Na última terça-feira (20), completaram-se 65 anos da morte do escritor alagoano

O escritor e roteirista Ricardo Ramos Filho evita sair de casa no dia 20 de março. É a data da morte do avô dele, o escritor Graciliano Ramos (que morreu há 65 anos), e também da perda do pai, Ricardo Ramos (também escritor, há 26 anos).

Graciliano Ramos é autor de Vidas Secas, obra de 1938, que conta a história de retirantes nordestinos castigados pela seca. Além de romances, Graciliano também era conhecido por ser cronista, contista e político. Foi preso durante o governo Getúlio Vargas, em 1953, acusado de subversão, experiência retratada no livro Memórias do Cárcere, publicado pela viúva Heloísa Ramos.

O neto Ricardo Filho, que se tornou pesquisador da obra graciliana e da literatura infantojuvenil, não chegou a conhecer o avô, mas as influências marcaram a vida dele desde a infância. Nessa família, o livro interligou as gerações.

A seguir, os principais trechos da entrevista para a Agência Brasil.

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Como pesquisador da obra de Graciliano Ramos, qual o segredo da atualidade dos livros dele?

O segredo é a verdade com que Graciliano escreveu, a maneira como ele enxerga o país, como retrata as pessoas. Nesse sentido, fica tudo muito atual. Infelizmente, 80 anos depois, a gente ainda encontra muitos Fabianos, Sinhás Vitória, Baleias [a cachorra], meninos mais novos, meninos mais velhos [sem nome] no nosso país.

Vidas Secas, além de aclamado, é um cânone da nossa literatura. Podemos dizer que para conhecer a alma de Graciliano é preciso ler esse livro?

Sem dúvida. Vou dar um dado que eu tenho e nem todo mundo tem: se a gente for verificar o direito autoral da obra de Graciliano, é o livro mais relevante. Graciliano tem quatro romances [pela ordem de publicação]: Caetés, São Bernardo, Angústia e Vidas Secas, além de dois livros de memórias, como Infância e Memórias do Cárcere. Há livros infantis também, é uma obra muito vasta. Vidas Secas arrecada para família pelo menos 80% do total dos direitos autorais da obra dele. E todo o restante vale no máximo 20%. Vidas Secas é adotado por muitos vestibulares, o que ajuda a incentivar as vendas. Eu, particularmente, não acho que seja o mais definitivo. Nasceu da união de alguns contos. Mas não tem, para mim, como leitor, a mesma força de São Bernardo e Angústia, embora eu goste muito. Vidas Secas não foi escrito para ser romance. Mas é um romance extraordinário. Tenho certeza de que quem entrar em contato com esse livro terá acesso ao melhor da obra de Graciliano.

Cena do filme 'Vidas Secas', adaptação de Nelson Pereira dos Santos

Apesar de não ser uma pergunta simples, poderia dizer de que forma Graciliano influenciou seu pai, e de que forma seu avô e seu pai fizeram a diferença para o senhor?

É uma pergunta necessária. Eu não conheci meu avô. Ele morreu um ano antes de eu nascer. Graciliano influenciou mais diretamente meu pai. Quando Graciliano foi preso, meu pai, que estava em idade escolar, ficou em Maceió, e não foi para o Rio de Janeiro. Foi um contato tardio entre eles. Depois dos 14 anos, eles conversavam bastante sobre literatura. E essas conversas chegaram a mim por meu pai. Ele falava sobre o texto ter frases curtas, sem gerúndios ou adjetivos, do que seria um um bom texto a ser lido. Conselhos fundamentais como a ideia de que um texto precisa ser lido e relido para enxugar e retirar os excessos.

Para o senhor essa influência foi desde muito novo?

Eu tive uma intermediação muito competente do meu pai. Muita gente me diz: Meu filho não lê. O que eu faço? Eu sempre repito: Você lê? ou Teu filho te vê lendo? Se o pai não lê, teu filho não vai ler. Uma coisa muito gostosa eram nossas conversas sobre as leituras que meu pai nos recomendava. A literatura foi sempre um canal de aproximação com meu pai. Ele, que não era uma pessoa tão acessível, sempre gostava de conversar sobre livros. Era um cara que trabalhava muito e chegava tarde em casa.

E atualmente, como o senhor vê a literatura?

O romance brasileiro tem trazido gente muito boa. Tem muita gente escrevendo romances de extrema qualidade. São tantos: Milton Hatoum, Marcelino Freire, Sheila Smanioto, Victor Heringer [morreu aos 29 anos]… Tem muita gente boa.