Quadros do terror: Zé do Caixão em três tempos nos gibis

Ateu, materialista, herege e iconoclasta. O coveiro Josefel Zanatas, o Zé do Caixão, aterroriza os brasileiros desde 1964, quando apareceu pela primeira vez no cinema: À meia-noite levarei sua alma. De lá pra cá, a criação mais conhecida do cineasta José Mojica Marins espalhou seu terror made in Brazil a diversas mídias, com grande destaque para o meio televisivo.

Mas nos quadrinhos o personagem de Zé do Caixão também fez muito sucesso nos anos de 1960, em uma série mensal escrita pelo mestre R.F. Lucchetti e desenhada pelos lendários Nico Rosso e Rodolfo Zalla. As profecias dizem que as vendas assombraram até mesmo as revistinhas de super-heróis.

Como uma boa maldição, a versão em papel do coveiro niilista teve diversas reencarnações, sob o traço de quadrinistas como Laudo Ferreira e Samuel Casal. A mais recente ficou a cargo de Ferreira, em duas publicações que compreendem épocas diferentes: o livro Zé do Caixão (2016, Jupati Books) e a revista Mestres do Terror #66 (2017).

O volume publicado pelo selo Jupati (da editora Marsupial) tem um valor histórico, pois reúne as adaptações para os gibis de dois filmes estrelados pelo coveiro: À meia-noite levarei sua alma (1964) e Esta noite encarnarei no teu cadáver (1967). Na apresentação, o desenhista/roteirista Laudo Ferreira explica que o trabalho de produção de cada uma dessas HQs ocorreu em momentos distintos de sua carreira.

ze 3
Livro da Jupati reúne duas adaptações de Laudo Ferreira

No entanto, ambas surgiram a partir de um interesse de Ferreira em resgatar a versão em quadrinhos do Zé do Caixão, na virada dos anos de 1980/90. Por coincidência, ele [José Mojica Marins] estava à procura de alguém para levar seu Zé do Caixão para os quadrinhos, afirma, na edição da Jupati.

Ao lado de Omar Viñole (arte-final), o quadrinista escreveu e desenhou a adaptação desses dois filmes de Mojica, na técnica do preto e branco. As duas histórias marcam o surgimento de Zé do Caixão, um personagem que vive em uma pacata cidade. Mas ele começa a infernizar seus moradores, desafiando as convenções religiosas em busca da mulher perfeita para gerar o seu herdeiro. Zé acredita apenas no materialismo e na continuidade do sangue.

Fiel ao original, Ferreira produziu duas histórias fortes e tensas, regadas de imagens de violência visual e erotismo.

MESTRES
No início deste ano, o editor Daniel Saks aproveitou o número 66 de sua revista Mestres do Terror para republicar uma aventura do coveiro mais popular dos quadrinhos brasileiros. Em Zé do Caixão e a cobra maléfica, José Mojica Marins (roteiro), Laudo Ferreira (desenhos) e Omar Viñole (arte-final) se inspiram na simbologia da cobra para falar sobre a corrupção das almas.

ze 2
Histórica revista ‘Mestres do Terror’ republica material de Ferreira e Mojica

Materializada em uma bela jovem, a cobra tenta seduzir um inimigo poderoso, o cético Zé do Caixão.

Segundo o próprio Saks, essa história apareceu originalmente em 2014, na revista gaúcha Monstros dos Fanzines #3. Agora, retornou em grande estilo, pois a Mestres… é uma publicação que marcou época no mercado editorial brasileiro pelas mãos do quadrinista Rodolfo Zalla. Em 2015, a revista retornou às lojas e bancas graças ao empenho e paixão de Saks. Inclusive, o material pode ser adquirido em Guarapuava: posto Panorâmico, Prima Banca e loja Gato Preto.

CÁRCERE
Com quase dez anos desde a sua primeira edição, Prontuário 666: os anos de cárcere de Zé do Caixão (2008, ed. Conrad) também é uma opção interessante.

Ainda mais porque o gibi escrito e desenhado pelo artista gaúcho Samuel Casal tem uma proposta artística bastante original. A começar pelo traço expressionista, cheio de altos contrates e personagens/cenários disformes. As imagens compõem um painel de pesadelo e delírio, como se fosse uma representação da mente perturbada do prisioneiro Josefel Zanatas (nome verdadeiro do coveiro).

ze
Casal apresenta uma história original em enredo e arte

O ineditismo está também no próprio enredo, que trata do período em que Zé do Caixão ficou confinado em uma prisão. Assim, a HQ funciona como um preâmbulo para o filme Encarnação do Demônio, lançado em 2008 e que fecha a trilogia do personagem no cinema.

Texto: Cristiano Martinez
Fotos: Reprodução